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‘A Verdadeira Dor’, no Oscar, revê trauma do Holocausto e filma dores da vida moderna

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em uma cena de "A Verdadeira Dor", dois primos americanos viajam na primeira classe de um trem na Polônia, indo em direção a Lublin, cidade com forte tradição judaica. Até que Benji, um deles, exige ir para a ala econômica, e brada para

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em uma cena de “A Verdadeira Dor”, dois primos americanos viajam na primeira classe de um trem na Polônia, indo em direção a Lublin, cidade com forte tradição judaica. Até que Benji, um deles, exige ir para a ala econômica, e brada para o resto do grupo turístico que não pode apreciar a vista confortavelmente quando, há 80 anos, seus antepassados percorriam os mesmos trilhos rumo à morte.

É em abrir as feridas da terceira geração dos sobreviventes do Holocausto que se concentra o segundo longa-metragem de Jesse Eisenberg, até agora mais conhecido por protagonizar filmes como “Para Roma, com Amor” e “Café Society”, de Woody Allen, e por viver Mark Zuckerberg, dono da Meta, no biográfico “A Rede Social”.

Eisenberg, que dirigiu Julianne Moore em seu primeiro filme, “When You Finish Saving the World”, dessa vez conduz o excêntrico Kieran Culkin, que vive Benji, e a si próprio —ele interpreta David, o primo ansioso e introspectivo que não consegue se conectar às tradições e traumas de seus antepassados como faz Benji.

Culkin levou o Globo de Ouro de melhor ator coadjuvante pela performance, e concorre ao Oscar na mesma categoria. Mas o processo não foi fácil, conta Eisenberg, que ficou frustrado com a dupla, que se recusava a acatar ordens de posição ou ouvir sobre as cenas antes de filmá-las. “Mas ele é tão talentoso que ficou ótimo”, diz Eisenberg, por videochamada. “Acho que ele [Culkin] estava vivendo no personagem. Ele não estava dormindo à noite, estava morando em uma sala, mas nunca queria falar sobre isso.”

Na trama, David e Benji viajam para a Polônia a pedido da avó, que antes de morrer deixou dinheiro para os netos conhecerem a cidade onde ela nasceu e cresceu —antes de ser deportada para um campo de concentração nazista, sobreviver e migrar para os Estados Unidos.

A jornada dos primos não revela só uma herança familiar traumática, como também joga luz sobre batalhas modernas. Benji, carismático e agitado, se acomodou na asa dos pais de classe média e, sem carreira ou perspectivas, tentou o suicídio. David, por outro lado, construiu uma família longe da vida caótica do primo, mas toma remédios para controlar seu transtorno obsessivo compulsivo e não pensar muito sobre seu emprego.

De certa forma, Eisenberg parece interpretar a si próprio. Seus avós, judeus poloneses, migraram aos Estados Unidos antes da Segunda Guerra, mas o resto de sua família morreu em campos nazistas. Ele conta que, quando criança, não parava de chorar e se sentir péssimo —sinais adiantados de condições psiquiátricas com as quais lida até hoje.

“Sempre me perguntei por que tantas pessoas da minha geração estão deprimidas, enquanto a geração de nossos avós sobreviveu ao horror. Como é possível que descendentes de sobreviventes de um genocídio se sintam miseráveis”, diz ele, um pouco sem jeito.

Enquanto muitos sobreviventes do Holocausto quiseram transmitir os fatos do que aconteceu para que houvesse registro histórico do genocídio, outros não falaram sobre o assunto para não reviver o trauma, diz Eisenberg. A geração de seus pais, então —os filhos dos sobreviventes—, não compreendia completamente o Holocausto, mas, ao mesmo tempo, não tinham referência de uma vida que antecedesse dos campos de extermínio.

A terceira geração, da qual o diretor faz parte, está distante o suficiente do evento para analisá-lo de forma mais filtrada e autoconsciente. “Podemos nos engajar com isso de uma maneira menos difícil, falar sobre essa história de um jeito novo”, diz o diretor.

No caso de “A Verdadeira Dor”, a peregrinação de David e Benji pela Polônia é invadida por um humor ácido e absurdo à la Woody Allen, de quem Eisenberg é admirador declarado. Outro exemplo recente no cinema é “Zona de Interesse”, de Jonathan Glazer, que reascendeu o debate sobre como Hollywood ajudou a mitificar o Holocausto ao tentar representá-lo na tela em prol do entretenimento e, ao mesmo tempo, simplificar a complexidade dos acontecimentos históricos.

Em seu discurso no Oscar, onde recebeu a estatueta de melhor som, Glazer ainda fez um apelo pelo cessar-fogo na Faixa de Gaza, comparando a desumanização perpetrada pelos nazistas àquela do Estado israelense sobre os palestinos. “Estamos aqui como pessoas que refutam que o seu judaísmo e o Holocausto sejam sequestrados por uma ocupação que levou muitas pessoas inocentes ao conflito”, disse.

O esforço para colocar o genocídio em uma perspectiva universal e filosófica é, também, uma particularidade dos novos artistas judeus que abordam o tema. Para Eisenberg, o conforto da vida moderna leva a inquietude e aumenta a necessidade de entender eventos trágicos.

“Quando há um problema real, eu não me sinto ansioso, eu me sinto confiante para lidar com ele. Mas quando o mundo está fácil para mim, sou invadido por um senso de ansiedade constante. Acho que a falta de um significado, de um desafio, cria problemas inteligíveis de saúde mental.”

A VERDADEIRA DOR

– Onde Nos cinemas

– Classificação 16 anos

– Elenco Com Jesse Eisenberg e Kieran Culkin

– Produção Estados Unidos, 2025

– Direção Jesse Eisenberg

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