BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Sob a promessa do ajuste fiscal mais rígido da história, o governo Milei reduziu em 45,6% as despesas com programas sociais -degringolando o Estado de bem-estar social na Argentina-, em 76,8% as despesas de capital e em 76% as transferências a províncias (estados).
Dados oficiais publicados nesta segunda-feira (16) demonstram como parte importante do programa de austeridade fiscal cobrou a sua conta nas parcelas cuja renda mais depende do Estado: aposentados, funcionários públicos e beneficiários de programas sociais.
No primeiro ano de Milei, o país registrou superávit primário (saldo entre receita e despesa do governo) de 10,7 trilhões de pesos (R$ 63,7 bilhões). Isso foi fruto da contração em 27% dos gastos, que no período totalizaram 78,7 trilhões de pesos (R$ 468 bi), e cobrou seu preço.
Cortes em aposentadorias e pensões foram os que mais contribuíram para fechar a torneira de gastos (são cerca de 22% do ajuste total). A queda se deu em consequência da atualização por baixo da inflação das rendas dessa parcela, fator que levou a protestos (e a repressão) em Buenos Aires. O poder de compra do setor caiu 21%.
A redução nas despesas de capital se deu principalmente pelas obras públicas (-76,8%) e pela verba para a secretaria de Educação (-95%). Mas também no menor aporte para as empresas públicas (-63%), mostram os dados do Escritório de Orçamento do Congresso.
E nos programas sociais, que agora chamam a atenção pelo avanço da pobreza no país (quase 53% da população está nesse indicador, maior cifra em 20 anos), os cortes ocorreram especialmente em programas de políticas alimentares (redução de 18%) e na chamada bolsa Progressar, ofertada a estudantes (redução de 64%).
O governo tem batido o bumbo para o fato de que, ao começar a administração, dobrou o valor de um programa conhecido como benefício universal por filho (AUH, na sigla em espanhol) e passou a atualizá-lo de acordo com a inflação. Ele é dado a famílias com filhos menores de 18 anos sem trabalho ou integrante da economia informal. Diferentemente de outros programas sociais, esse cresceu 47%.
Mas estudos têm mostrado que investir somente no AUH é insuficiente. Em recente relatório, a renomada organização Fundar lembrou que o benefício representa somente 15% dos programas sociais e 7% dos gastos do sistema de Previdência.
As universidades também pagaram. A verba destinada às instituições públicas foi reduzida em quase 28% nesta administração da Casa Rosada, com cortes principalmente nos fundos para pagamento de salários de docentes. Como os aposentados e pensionistas, esse foi outro setor que protestou, em vão.
O governo argumenta que a redução contínua da inflação no país fará os salários recuperarem poder de compra e a pobreza diminuir. Para uma sociedade que antes via os programas sociais serem corroídos pela inflação mensal de mais de dois dígitos, a promessa surte efeito.
Em um ano, o governo Milei levou a inflação de 25,5% para 2,4% na Argentina. A redução de 23,1 pontos percentuais foi mais um trunfo macroeconômico. Ele promete agora implementar a “motosserra profunda”, maneira como se refere às suas políticas de ajuste.
Economistas e opositores alertam que a queda da inflação não é suficiente em um país que começa a crescer, mas de maneira desigual. Especialmente para setores informais (quase metade da população), que não contam com negociações coletivas para levar a ganhos reais no salário, os programas sociais, agora achatados, são importantes.
“Se a inflação continua descendo, há um alívio social. O problema é que isso tem um claro limite e traz benefícios apenas para um setor”, diz o economista Federico Pastrana, diretor da consultoria C-P e membro da Fundar. “Quando a inflação termina não descendo, e tudo indica que estará em platô, faz falta outro mecanismo de melhora da renda.”
Seria possível operar o pacote de austeridade fiscal, com bons resultados macroeconômicos (como tem o governo Milei) sem desmantelar o Estado de bem-estar? “Sim, é possível. Mas não na velocidade, nem na intensidade que foi feito”, diz Pastrana.
“Programas de estabilização podem ter um recorte fiscal mais gradual. E a discussão mais importante: quem paga o ajuste? Esse programa [de Milei] tem um terço do ajuste sendo pago pelo seguro social, é muito. A distribuição do recorte tem de ser diferente.”
Estudo recente da Fundar mostra que, até setembro, os únicos setores que haviam sentido bons efeitos eram o agronegócio e as indústrias de recursos naturais (como gás e petróleo), aqueles que dependem mais do mercado externo. Enquanto isso, construção, comércio e serviço, dependentes do mercado doméstico, seguiam marcando perdas.
O consumo na Argentina caiu 20% em novembro em comparação ao mesmo mês do ano anterior, mostrou o mais recente relatório da consultoria Scentia lançado na última sexta-feira (13).
O valor é em partes influenciado pelo fato de que, no segundo semestre de 2023, o então governo peronista implementou uma série de medidas populistas para impulsionar o consumo e tentar ganhar as eleições. Era o chamado “Plano Platita”, composto por medidas como congelamento de preços, aumento de gastos públicos e isenção de impostos.