SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando os pais de Sei Shiroma, 38, mudaram-se para os Estados Unidos, queriam que ele vivesse o sonho americano. Não estava nos planos dos dois imigrantes, ele do Japão e ela da China, que o filho único fosse para o Rio de Janeiro vender pizzas.
Nascido em Nova York -e o primeiro da família a falar inglês fluentemente-, Sei tinha pela frente uma carreira tradicional. Frequentou uma escola de elite, a Saint Davids, onde teve como colegas Andrew Giuliani, filho do ex-prefeito da cidade, Rudy. O sucesso dos restaurantes dos pais, o Suibi, um dos primeiros a servir comida japonesa em Manhattan, pagou pelos estudos.
Na faculdade, quis ir para longe da família, desembarcando na Universidade de Tampa, na Flórida, onde estudou letras. Uma vez formado, voltou para a cidade natal e conseguiu um emprego em publicidade.
Com pouco mais de 20 anos, Sei já ganhava razoavelmente bem -tinha até um apartamento. Na metrópole, convivia com muitos imigrantes que contavam sobre seus países de origem. Ainda jovem, ele ansiava pela experiência de falar uma nova língua, com sotaque, e aprender uma nova cultura.
Quem colocou o Rio no seu radar foi um carioca que se hospedou em sua casa, nos primórdios do Airbnb. O rapaz o convenceu a viajar pelo Brasil, em um roteiro que incluiu Salvador, São Paulo e a capital fluminense.
Se essa primeira experiência já fisgou o coração do americano, quando passou a namorar uma carioca, em Nova York, o trabalho de convencimento foi finalizado. Em 2011, decidiu se mudar com ela para o Rio de Janeiro, onde começou a procurar um emprego na sua área de formação.
Mas, sem falar português ou ter visto de trabalho, a busca foi inglória. Os meses foram passando, e o dinheiro, diminuindo. A situação o levou a procurar outras opções de renda. Com a memória afetiva do restaurante dos pais, onde passou a infância, a gastronomia pareceu ser uma escolha natural.
Primeiro, pensou em trabalhar com culinária japonesa, mas tinha pouco dinheiro para tamanha empreitada. Depois de riscar muitas opções da lista de possibilidades, chegou às pizzas, uma alternativa que cabia no bolso.
Sozinho e com auxílio de vídeos no YouTube, projetou um forno de metal para assar suas redondas. O material, diferente dos de alvenaria, foi pensado para resistir às irregularidades das ruas, já que a intenção de Sei era acoplar o forno a seu carro, um Fiat Uno. Foi daí que nasceu o nome de seu restaurante, Ferro e Farinha. Nele, em vez de gás ou energia elétrica, as pizzas seriam assadas a lenha -outra escolha também baseada no preço.
Com o forno construído, chegou a hora de pensar nas receitas. Como um bom nova-iorquino, tinha referências de sabores na memória. Uma das primeiras foi a Domenico, nome de um senhor italiano que conheceu na infância; ela é a equivalente à cobertura marguerita. Outra que desenvolveu foi a piquenique, feita com quatro queijos e mel picante. Recorreu às suas raízes asiáticas para montar a adubo verde, preparada com couve marinada em shoyu e gengibre.
As pizzas, pensadas para serem comidas com as mãos, eram vendidas nas ruas da cidade. Sei sempre anunciava nas redes sociais onde estaria. O seu diferencial era oferecer opções mais baratas e, ainda assim, de boa qualidade -mas não foi isso que fez o negócio explodir no início.
Sem licença para operar, o movimento começou devagar. Um dos seus pontos de venda era a praça São Salvador, no bairro Laranjeiras, mas alguém na região -ele desconfia de um concorrente- chamou a Guarda Civil para fiscalizar o carro-pizzaria. Ele foi obrigado a se retirar de lá, mas o caso bombou nas redes sociais.
Ele começou a ser visto como sinônimo das pizzas boas e baratas. A partir daí, informava aonde ia com três horas de antecedência e, quando chegava, encontrava filas de pessoas esperando suas redondas assadas.
Embora tenha sido um sucesso, o modelo era penoso. Para lavar os utensílios, Sei precisava carregar um galão de água; não havia bancos nem banheiros.
Em 2014, trocou o Uno por uma pequena loja de 20 m² no Catete, região sul do Rio. A obra da pizzaria começou bem, mas o dinheiro acabou rápido, o que levou o cozinheiro a fazer ele mesmo parte dos reparos. Com o local aberto -que também tinha um forno de ferro alimentado por lenha, sua assinatura-, o americano viu a clientela diminuir. A situação o assustou um pouco.
Os ventos começaram a mudar depois que a imprensa notou o lugar. Sei foi descrito em textos como um samurai que dançava com as massas. A partir daí, chefs famosos da cidade -como Rafa Costa e Silva, que comanda o Lasai, restaurante com duas estrelas Michelin- apareceram.
Na salinha que mal acomodava dez pessoas, passaram atores globais atraídos pelas pizzas de Sei, como Mariana Ximenes e Carolina Ferraz. Por três meses, a lojinha do Catete vivia apinhada de clientes, até que o tamanho já não comportava mais os planos do empreendedor.
Hoje, o americano, agora com sotaque carioca, está abrindo a sua quinta unidade, no shopping Leblon, com redondas entre R$ 55 e R$ 72. Neste ano, a Ferro e Farinha entrou no Top Pizza, um ranking das melhores pizzarias do mundo. Ficou em 89º lugar, a única do Rio de Janeiro na lista. Em São Paulo, há quatro, como Leggera, em 15º.
Para ele, o sucesso do restaurante vem da consistência, seja na receita da sua cobertura mais vendida, a New York, feita com dois tipos de molho de tomate e muçarela maturada por 30 dias, seja no atendimento. Os prêmios, ele diz, geram expectativas nos clientes, daí a importância de manter um padrão.
Sei também está por trás de outros empreendimentos no Rio, como o South e Ferro, especializado em lámen, e o Suibi, uma nova versão dos restaurantes da família, que agora não teme mais pelo futuro do filho.
O pai, 77, veio conhecer os empreendimentos que só havia visto por fotos. Provou entradas da Ferro e Farinha, como o carpaccio de polvo, que passou pelo fogo, e depois as pizzas. Antes, estava temeroso com a carreira do filho -até desconhecia os seus dotes culinários.
Impressionado com os restaurantes de Sei e com a beleza do Rio de Janeiro, também considera se mudar para a cidade.