BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Banco Central prevê um novo estouro da meta de inflação em junho, conforme o sistema de alvo contínuo em vigor desde o início do ano, mostrou ata do Copom (Comitê de Política Monetária) divulgada nesta terça-feira (4).
O colegiado do BC também ressaltou a questão fiscal e o câmbio como riscos para a convergência da inflação à meta.
No modelo de avaliação contínua, a autoridade monetária busca a meta sem se vincular ao chamado ano-calendário, ou seja, ao período de janeiro a dezembro. Atualmente, o BC toma suas decisões com o terceiro trimestre de 2026 na mira.
O alvo central é 3%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. Isso significa que a meta é considerada cumprida quando oscila entre 1,5% (piso) e 4,5% (teto).
“Em se concretizando as projeções do cenário de referência, a inflação acumulada em 12 meses permanecerá acima do limite superior do intervalo de tolerância da meta nos próximos seis meses consecutivos. Desse modo, com a inflação de junho deste ano, configurar-se-ia descumprimento da meta sob a nova sistemática do regime de metas”, afirmou.
No cenário de referência do Copom, a projeção de inflação para este ano subiu de 4,5% para 5,2% acima do teto da meta. Para o terceiro trimestre de 2026, a estimativa é de 4%.
O atual modelo prevê que a meta será considerada descumprida quando a inflação, medida pela variação de preços acumulada em 12 meses, ficar durante seis meses seguidos fora do intervalo de tolerância.
Logo após assumir o cargo, Gabriel Galípolo teve de se justificar pelo descumprimento do objetivo em 2024, ainda na gestão de Roberto Campos Neto. Em carta aberta, atribuiu o estouro à força da economia brasileira, ao câmbio depreciado e a fatores climáticos, em um cenário de expectativas deterioradas.
Para o Copom, o cenário de inflação no curto prazo continua adverso. Entre os fatores, citou a elevação “de forma significativa” dos preços dos alimentos, puxada pela seca e pela alta dos preços de carnes. Segundo o colegiado do BC, a tendência é esse aumento se propagar para o médio prazo.
O tema é motivo de preocupação no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que vem discutindo alternativas para baratear os preços dos alimentos.
Na ata, o Copom reafirmou a necessidade de políticas fiscal e monetária “harmoniosas”, discurso adotado também pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Em comparação com o comunicado da semana anterior, empregou um tom mais duro ao falar em disciplina fiscal e alertar para a expansão de crédito.
“O comitê reforçou a visão de que o esmorecimento no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública têm o potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia, com impactos deletérios sobre a potência da política monetária e, consequentemente, sobre o custo de desinflação em termos de atividade”, disse.
O Copom disse acompanhar com atenção os movimentos do câmbio, que tem oscilado em função do risco fiscal no ambiente doméstico, das notícias da política econômica dos Estados Unidos e do diferencial de juros.
“Avaliou-se, então, que seguia válida a visão anterior da possibilidade de uma elevação de inflação a partir de uma taxa de câmbio mais depreciada. Desse modo, ainda que parte dos riscos tenha se materializado, o Comitê julgou que eles seguem presentes prospectivamente”, disse.
Para o colegiado do BC, o cenário segue desafiador, com incertezas geopolíticas relevantes. Uma das dúvidas refere-se à introdução de tarifas sobre importações e alterações em preços em caso de mudanças na matriz energética, o que pode trazer impactos negativos para economias emergentes, como o Brasil.
Em resposta à tarifa adicional de 10% imposta por Donald Trump sobre todas as importações chinesas, o país asiático impôs nesta terça tarifas sobre importações dos EUA, renovando uma guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo.
Na última quarta (29), o Copom cumpriu o plano e elevou a taxa básica de juros (Selic) em um ponto percentual, para 13,25% ao ano. O comitê reafirmou a sinalização de que pretende fazer mais uma alta da mesma intensidade em março. Mas evitou se comprometer com qualquer ritmo de ajuste depois disso.
Se cumprir o prometido, a Selic vai atingir o pico registrado durante a crise do governo de Dilma Rousseff (PT), entre 2015 e 2016, no patamar de 14,25% ao ano.
Para as próximas decisões, o comitê disse que acompanhará o ritmo da atividade econômica, o repasse do câmbio para a inflação, após um processo de depreciação e de maior volatilidade, e as expectativas de inflação, que se distanciaram ainda mais da meta nas últimas semanas.
Foi a primeira reunião desde que Galípolo assumiu a presidência do BC, em 1º de janeiro. Ele é um nome de confiança do presidente Lula. Um dia depois da decisão do Copom, o chefe do Executivo afirmou que o presidente do BC não poderia dar “um cavalo de pau em um mar revolto” e disse confiar que Galípolo vai criar as condições de entregar “uma taxa de juros menor no tempo que política permitir”.
Na ata do último encontro, o colegiado do BC alertou que o mercado de trabalho segue aquecido e reforçou que a desaceleração da atividade econômica é parte do processo de desinflação. Segundo o comitê, os dados mais recentes dão sinais “incipientes” de moderação do crescimento da economia.
“O comitê avalia que a conjunção de um mercado de trabalho robusto, política fiscal expansionista e vigor nas concessões de crédito amplo tem dado suporte ao consumo e à demanda agregada”, disse. “[…] Reforça que o arrefecimento da demanda agregada é um elemento essencial do processo de reequilíbrio entre oferta e demanda da economia e convergência da inflação à meta”, acrescentou.
Os membros do Copom disseram também que o mercado de crédito se manteve “pujante” nos últimos trimestres, mas observaram algum recuo no crédito bancário no período mais recente, em particular nas linhas de baixo risco para pessoas físicas. Por outro lado, ressaltaram que o mercado de títulos privados segue com crescimento de volume acima do esperado.