Foto: Scopio – The Noun Project
Nas democracias atuais, a falta de confiança e do sentimento de representatividade por parte da população no governo é resultado da falta de transparência, da corrupção e da busca por atender apenas o interesse de grupos seletos. Segundo o sociólogo Manuel Castells, a principal crise do século XXI não é apenas econômica ou política, mas uma crise de legitimidade em que as instituições já não conseguem convencer os cidadãos de que agem em nome do interesse coletivo, uma vez que há um distanciamento entre representantes e representados.
A corrupção é um mecanismo que mina a estrutura de confiança social e destrói o vínculo, baseado em confiança nos representantes votados, entre o Estado e a população. Castells (2018), em sua obra “Ruptura: A crise da democracia liberal”, observa que, quando o cidadão deixa de acreditar nas instituições, abre-se espaço para a apatia política ou para o populismo. É nesse contexto que a transparência vem como recurso necessário no governo para fomentar a confiança da sociedade, tornando públicas as decisões, os gastos a fim de restaurar a credibilidade.
A corrupção é um fenômeno que afeta a efetividade do sistema constitucional, configurando-se como um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento nacional, pois desvia recursos essenciais e afeta os cidadãos. No Brasil, a corrupção se tornou cotidiana. Investigações recentes da Polícia Federal e do Tribunal de Contas da União apontam irregularidades em contratos públicos e uso indevido de emendas parlamentares, revelando uma corrupção descentralizada, porém persistente. No Espírito Santo, o Ministério Público Estadual (MPES) e o Tribunal de Contas do Estado (TCES) investigam fraudes em licitações municipais e falta de transparência em contratos de obras e serviços.
Nesse cenário, instituições de controle e transparência são, em tese, caminhos para a mitigação da corrupção. O Tribunal de Contas da União (TCU) é concebido como o principal auxiliar do Congresso Nacional no controle externo, incumbido da fiscalização contábil, financeira, orçamentária e patrimonial. Mas, o próprio TCU, frequentemente enfrenta falhas gravíssimas do sistema, apesar de todo o controle. Recentemente, a área técnica do TCU viu “possíveis irregularidades” em um contrato de R$ 478,3 milhões firmado pelo governo federal sem licitação para a organização da COP30. Isso pois, o governo optou por um modelo de “contratação direta, sem processo licitatório”, que difere das práticas de ampla concorrência observadas em outras COPs internacionais, levantando questões sobre possível influência indevida e má gestão dos recursos públicos.
No Espírito Santo, a transparência é altamente cobrada e incentivada. O estado é avaliado pelo Índice de Transparência e Governança Pública (ITGP), que mede o grau de abertura e responsabilidade das gestões públicas dos municípios do estado. Nos últimos anos, o ITGP tem cobrado mais clareza nos portais de transparência, relatórios de gastos e políticas de acesso à informação. Esses indicadores mostram avanços, mas também evidenciam desigualdades entre municípios, em que alguns têm alto grau de transparência, enquanto outros (geralmente municípios menores) ainda enfrentam limitações por falta de estrutura ou vontade política.
No último dia 09, ocorreu o lançamento do ranking de transparência capixaba e municípios que ocupam as primeiras colocações, como Afonso Cláudio, Cachoeiro de Itapemirim, Colatina, Vila Velha e Vitória, comemoram a posição. Porém, transparência é um dever democrático, não é opcional e sim uma obrigação que demonstra respeito à população que tem o direito de saber como os recursos são aplicados, quais contratos são firmados e que resultados concretos derivam das políticas públicas. A cobrança social é essencial para uma democracia legítima.
A ação de relatar as movimentações do governo através do portal da transparência, das secretarias, redes sociais ou outros meios é um modo de reconstruir a confiança. A transparência deve deixar de ser uma questão burocrática e se tornar parte da cultura política. No Espírito Santo, esse processo ocorre, mas sua continuidade depende da vigilância pública, da atuação das instituições e da consciência de que a legitimidade de um governo é estabelecida através da honestidade e responsabilidade.
O ITGP e iniciativas de controle social vêm estimulando práticas de governo aberto, acesso à informação e prestação de contas à sociedade. Mas a transparência só cumpre seu papel quando o cidadão participa. Fiscalizar, cobrar e denunciar são atos políticos que fortalecem a democracia. Canais como o Disque 127 do MPES, o Portal da Transparência e as ouvidorias municipais são ferramentas reais de participação.
Quando a sociedade cobra, acompanha e participa, o poder se torna legítimo novamente. No Espírito Santo, o exemplo de municípios que avançam em governança mostra que é possível transformar a vigilância em confiança. Afinal, como lembra Castells (2018), “o poder só é legítimo quando reconhecido pelos cidadãos.”