As pessoas com deficiência enfrentam diversos desafios diariamente, desde barreiras físicas até preconceitos e estigmas enraizados na sociedade. Ao longo da história, a forma como a sociedade lida com essa parcela da população passou por profundas transformações, marcadas por lutas e conquistas rumo a uma inclusão mais efetiva.
Segundo a advogada e escritora Flávia Piovesan, a evolução na proteção das pessoas com deficiência pode ser delineada por quatro fases distintas. A primeira fase, conhecida como “Ignorância Total”, era caracterizada pela marginalização dessas pessoas, vistas como impuras e amaldiçoadas. Elas eram segregadas da comunidade, vivendo em condições precárias, sem acesso aos direitos básicos.
Com o passar do tempo, a segregação deu lugar à “Invisibilidade Desprezada”, em que as pessoas com deficiência eram excluídas ao silêncio e à marginalização na vida social, com suas necessidades e potencialidades sendo ignoradas.
Um novo capítulo se inicia com a ascensão do “Modelo Médico”, no qual as pessoas com deficiência passam a ser vistas como pacientes, e a medicina se torna a principal referência para lidar com suas condições. Embora representando um progresso, essa fase ainda se limitava a uma visão paternalista e individualizada, não permitindo a autonomia e a diversidade do público-alvo.
Finalmente, surge a era da “Inclusão e Direitos Humanos”, na qual as pessoas com deficiência são reconhecidas como sujeitos de direitos, com capacidade de tomar decisões e participar ativamente da sociedade. O foco se desloca de indivíduos para o ambiente, buscando eliminar barreiras físicas, sociais e atitudinais que impedem a plena participação desse grupo.
No Brasil, encontramo-nos em uma fase de transição entre a terceira e a quarta etapa, enquanto no cenário internacional, a proteção baseada nos direitos humanos já é uma realidade consolidada.
A terminologia utilizada ao se referir às pessoas com deficiência também desempenha um papel essencial nesse contexto. O termo “pessoa portadora de deficiência”, presente na Constituição Federal, reflete uma perspectiva ultrapassada e prejudicial, associada ao modelo médico da deficiência. Essa abordagem paternalista coloca a pessoa com deficiência na posição de “paciente”, limitando sua autonomia e perpetuando a dependência.
Em contrapartida, o modelo social da deficiência propõe uma visão diferente, considerando a deficiência como um produto da interação entre a pessoa com deficiência e o ambiente social. Nessa perspectiva, as barreiras físicas, arquitetônicas, comunicacionais e atitudinais são identificadas como os principais obstáculos à inclusão.
Nesse sentido, a terminologia “pessoa com deficiência” é considerada mais adequada, pois coloca a ênfase na pessoa e não na deficiência. Essa mudança linguística é fundamental para combater o estigma e promover a inclusão efetiva.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência, promulgado em 2015, representa uma conquista histórica na batalha pela inclusão social e pela salvaguarda dos direitos das pessoas com deficiência. Esse instrumento legal inaugura uma nova era na forma como abordamos a deficiência, indo além de uma mera descrição da condição para considerar as interações entre o indivíduo e seu ambiente social.
O Estatuto oferece uma definição ampla e abrangente do termo “pessoa com deficiência”, destacando a importância de superar as barreiras que limitam a participação social desse grupo. Essas barreiras podem ser de natureza física, arquitetônica, atitudinal ou tecnológica, e o Estatuto as define detalhadamente, estabelecendo medidas para garantir a plena inclusão e cidadania das pessoas com deficiência.
Dentre os principais aspectos protetivos do Estatuto, destaca-se a proteção da plena capacidade civil da pessoa com deficiência, incluindo direitos como casamento, vida em comunidade e exercício da guarda. Além disso, o combate à discriminação é essencial para garantir o acesso a tecnologias assistivas e adaptações necessárias.
O Estatuto também assegura uma série de direitos fundamentais, como autonomia na tomada de decisões, habilitação e reabilitação, acessibilidade nos serviços de saúde, educação inclusiva, trabalho acessível, transporte e mobilidade, entre outros. Essas medidas visam promover a inclusão e garantir igualdade de oportunidades e participação ativa na sociedade.
No que se refere à acessibilidade, o Estatuto estabelece normas abrangentes para garantir a mobilidade plena e a participação de todos na sociedade. Essas regras se aplicam a diversos aspectos da vida, incluindo o meio físico, transporte, informação e comunicação, além de serviços, equipamentos e instalações abertos ao público.
Outro ponto fundamental é o acesso à Justiça, abordado em um título específico do Estatuto. Seu principal objetivo é assegurar que as pessoas com deficiência possam acessar a justiça em igualdade de condições, utilizando os recursos necessários, como tecnologias assistivas.
Em suma, a proteção das pessoas com deficiência é uma questão de direitos humanos e de construção de uma sociedade mais inclusiva e justa. O Estatuto da Pessoa com Deficiência representa um marco legal essencial nessa luta, estabelecendo diretrizes e garantias fundamentais para a efetiva inclusão dessas pessoas.