Momento de Inclusão​

Inclusão e Acessibilidade no Espírito Santo: Dados Recentes e Inspirações para uma Cultura Inclusiva

Realidade Socioeconômica das Pessoas com Deficiência no ES

Seja autismo, síndrome de Down ou qualquer outra deficiência, cada indivíduo tem o direito e a capacidade de se desenvolver, crescer e exercer seu pleno potencial. Este é o Pelotão 21, o primeiro pelotão do Exército Brasileiro composto por pessoas com síndrome de Down. Fonte: RedeTV! ES.

No Espírito Santo, 6,7% da população é composta por pessoas com deficiência (PCD). Esse percentual representa cerca de 276 mil capixabas que possuem algum tipo de deficiência. O perfil dessas deficiências é diverso: aproximadamente 50,8% são deficiências visuais, seguidas de 24,2% motoras, 13,8% mentais/intelectuais e 11,2% auditivas. Os dados fazem parte do mais recente Levantamento de Dados Socioeconômicos de Pessoas com Deficiência realizado pela Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDH) e fornecem um panorama amplo da realidade capixaba, servindo de base para desenvolver políticas públicas inclusivas.

Além da quantidade, o levantamento traz informações sobre a qualidade de vida dessa parcela da população. No aspecto educacional, os números revelam um desafio importante: 159.963 pessoas com deficiência no estado não possuem instrução ou não concluíram o ensino fundamental, enquanto apenas 18.720 conseguiram concluir o ensino superior. Esses dados indicam barreiras no acesso à educação, seja por falta de acessibilidade nas escolas, apoio especializado insuficiente ou barreiras atitudinais que ao longo do tempo dificultaram a escolarização plena das PCDs.

No que tange à participação econômica, o estudo mostra que muitas pessoas com deficiência estão inseridas no mercado de trabalho, embora em condições distintas. Cerca de 128.803 PCDs trabalham com carteira assinada (emprego formal), porém outras 58.708 atuam sem carteira (informalmente) e 61.926 trabalham por conta própria, entre outros grupos como servidores públicos e pequenos empregadores. Essa distribuição evidencia tanto a capacidade produtiva dessas pessoas quanto a necessidade de oportunidades mais inclusivas: muitos acabam no trabalho informal ou autônomo possivelmente pela dificuldade de inserção no emprego formal tradicional.

Geograficamente, as PCDs estão presentes em todo o estado, com maior concentração nos grandes centros urbanos – municípios como Serra, Vila Velha, Cariacica, Vitória e Cachoeiro de Itapemirim juntos reúnem dezenas de milhares de pessoas com deficiência. Isso sugere que as políticas de inclusão precisam atingir tanto as cidades maiores quanto as regiões do interior, adaptando-se às realidades locais. Em resumo, os dados atualizados revelam uma comunidade numerosa e diversa de capixabas com deficiência, que enfrenta desafios significativos em educação e emprego, mas que representa um segmento importante da sociedade a ser valorizado e incluído plenamente.

Desafios de Inclusão e Oportunidades de Melhoria

A análise desses números deixa clara a necessidade de aprimorar a inclusão no estado. O baixo nível de escolaridade entre grande parte das pessoas com deficiência indica que é preciso investir em educação inclusiva de qualidade, desde a educação infantil até o ensino superior. Salas de aula acessíveis, professores capacitados em educação especial e em Libras (Língua Brasileira de Sinais), materiais didáticos adaptados em braile ou formatos acessíveis, além de transporte escolar adequado, são medidas essenciais. Somente garantindo acesso igualitário à educação é que será possível mudar o cenário em que menos de 7% das PCDs alcançam o ensino superior. Esse investimento educacional terá impacto direto na empregabilidade futura, na autonomia financeira e na autoestima dessas pessoas.

No mercado de trabalho, apesar de uma parcela significativa já estar empregada, ainda há desafios na qualidade e segurança dessas ocupações. A presença elevada em trabalhos informais ou autônomos sugere que muitas PCDs podem estar recorrendo a alternativas empreendedoras ou informais por falta de vagas formais acessíveis. Empresas e órgãos públicos precisam ampliar programas de emprego apoiado, capacitação profissional e cumprimento da Lei de Cotas, que exige contratação de pessoas com deficiência. Além disso, garantir adaptações razoáveis nos locais de trabalho – como acessibilidade arquitetônica, tecnologias assistivas e flexibilidade de horário – pode aumentar a permanência e produtividade desses profissionais. A inclusão no trabalho não é apenas cumprir legislação, mas reconhecer o potencial e talento de cada indivíduo, proporcionando independência econômica e realização pessoal.

Apesar dos desafios, o Espírito Santo vem dando passos importantes que representam oportunidades de melhoria. A própria realização do levantamento socioeconômico já é um avanço, pois dispor de dados detalhados permite planejar ações assertivas. Com informações sobre onde estão e quais as necessidades das pessoas com deficiência, o governo e a sociedade civil podem direcionar recursos de forma mais eficaz, seja na saúde, na assistência ou na acessibilidade urbana.

Outra oportunidade está no uso da tecnologia e serviços especializados para inclusão. Por exemplo, o Estado implantou a Central de Interpretação de Libras (CIL), um serviço gratuito e disponível 24 horas que conecta, via videochamada, pessoas surdas a intérpretes de Libras em tempo real. Recentemente, esse serviço ganhou internet patrocinada, permitindo que mesmo quem não tenha crédito de dados no celular possa utilizá-lo gratuitamente. Iniciativas assim quebram barreiras de comunicação em situações cotidianas, como atendimento em bancos, delegacias ou unidades de saúde, garantindo autonomia e dignidade. Da mesma forma, o Ciodes (Centro Integrado Operacional de Defesa Social) agora oferece um atendimento de emergência via vídeo exclusivo para a população surda, com intérpretes de Libras e até legendas automáticas para facilitar a denúncia de urgências. Essas ações mostram que é possível inovar nos serviços públicos para torná-los mais acessíveis, servindo de exemplo de políticas inclusivas efetivas.

Cabe destacar também o papel das organizações e conselhos de pessoas com deficiência, que no Espírito Santo atuam para fiscalizar e propor melhorias. A sociedade civil organizada e a participação ativa das próprias PCDs na elaboração de políticas são fundamentais para identificar necessidades reais e buscar soluções criativas. Cada desafio apresentado pelos dados – seja na educação, trabalho, mobilidade urbana ou saúde – pode ser enfrentado com políticas bem desenhadas e vontade política. As oportunidades existem: é preciso ampliá-las e replicá-las em todas as áreas, para que a inclusão seja uma realidade em cada comunidade capixaba.

Inspiração de Iniciativas Inclusivas: O Projeto Samba com as Mãos

Enquanto o Espírito Santo avalia seus dados e caminhos para inclusão, é inspirador olhar para iniciativas inclusivas bem-sucedidas em outros lugares. Um exemplo emblemático vem de São Paulo, com o projeto “Samba com as Mãos”. Trata-se de uma ação inovadora da Prefeitura de São Paulo, em parceria com a Liga das Escolas de Samba, que interpreta os sambas-enredo do Carnaval em Libras, tornando essa grande festa popular acessível para pessoas surdas ou com deficiência auditiva. Na prática, os enredos das escolas de samba do grupo especial e de acesso são traduzidos por intérpretes de Libras e disponibilizados em vídeo antes dos desfiles. Assim, a comunidade surda pode aprender e sentir a mensagem das músicas antecipadamente, participando do Carnaval com entendimento pleno e emoção.

O Samba com as Mãos mostra como a inclusão cultural pode ser feita de forma criativa. Durante os eventos de lançamento do projeto, São Paulo não só ofereceu intérpretes de Libras, mas também instalou cabines de audiodescrição para pessoas cegas, permitindo que aqueles com deficiência visual desfrutassem dos desfiles com narrativas detalhadas do que acontece na avenida. O Carnaval paulistano vem se tornando uma festa verdadeiramente para todos os sentidos e para todos os públicos.

Importante notar que a inclusão no Carnaval paulistano não se limita a uma ação isolada; já está enraizada como uma tradição anual (em 2025 aconteceu a 9ª edição do Samba com as Mãos), inspirando outras cidades a seguirem o exemplo. No próprio Espírito Santo, algumas escolas de samba começaram a dar passos tímidos nessa direção. No Carnaval de Vitória, por exemplo, já houve escola de samba colocando intérpretes de Libras ao longo do desfile para traduzir o samba-enredo para componentes e público surdo, promovendo integração na avenida. Esses esforços, embora pontuais, indicam que a semente da acessibilidade cultural pode germinar também em solo capixaba. O que projetos como Samba com as Mãos nos ensinam é que barreiras aparentemente inevitáveis podem ser derrubadas com criatividade, parceria e comprometimento. Se é possível tornar inclusiva uma festa tão complexa e tradicional quanto o Carnaval, também é viável aplicar soluções semelhantes em shows, teatros, feiras, eventos esportivos e em toda manifestação cultural.

A Importância de Políticas Públicas e Mudanças Culturais no Espírito Santo

Diante desse contexto, fica evidente a necessidade de políticas públicas similares no Espírito Santo. Os dados do levantamento socioeconômico são um chamado à ação: não basta conhecer a realidade, é preciso transformá-la. Projetos inovadores como o Samba com as Mãos devem servir de inspiração para que o poder público capixaba, em parceria com iniciativa privada e sociedade civil, amplie as iniciativas de inclusão e acessibilidade em nosso estado. Isso pode significar implementar um programa equivalente de Carnaval Inclusivo em Vitória, com intérpretes de Libras e audiodescrição oficial em todos os desfiles, ou estender a acessibilidade a outras festas populares capixabas – como celebrações religiosas, eventos folclóricos, shows musicais e museus – garantindo que pessoas com deficiência auditiva, visual, física ou intelectual possam participar ativamente de nossa cultura.

Mais do que eventos pontuais, é fundamental incorporar a acessibilidade de forma estruturante nas políticas públicas. Isso inclui desde o planejamento urbano (calçadas acessíveis, sinalização adequada, transporte público adaptado) até a comunicação do poder público (sites oficiais acessíveis, presença de intérpretes de Libras em anúncios e solenidades). Significa também fortalecer a rede de apoio, com centros de habilitação e reabilitação, distribuição de tecnologias assistivas, formação de profissionais intérpretes e guias-intérpretes, entre outros. Políticas assim empoderam a pessoa com deficiência, pois retiram obstáculos e oferecem ferramentas para sua autonomia. Quando o Estado investe em acessibilidade, ele está investindo em cidadãos que poderão contribuir ainda mais socialmente, academicamente, culturalmente e economicamente.

No entanto, implementar políticas não é suficiente se não houver uma mudança cultural e comportamental na sociedade. A verdadeira inclusão ocorre quando cada cidadão compreende a importância de respeitar as diferenças e valorizar a diversidade humana. É preciso combater atitudes capacitistas (preconceito contra pessoas com deficiência) através de campanhas de conscientização, educação desde cedo sobre convivência e respeito, e dar visibilidade às conquistas e talentos das pessoas com deficiência. Projetos como o do Carnaval inclusivo têm um efeito poderoso também nesse sentido: eles sensibilizam o grande público, mostram que pessoas com deficiência querem e podem usufruir da cultura ao lado de todos, derrubando estereótipos. Essa sensibilização coletiva leva a um comportamento mais empático no dia a dia – como oferecer ajuda quando necessário, comunicar-se de forma inclusiva, cobrar acessibilidade em locais que não a oferecem.

O Espírito Santo tem a oportunidade de liderar pelo exemplo essa mudança no âmbito regional. Ao adotar políticas inclusivas e fomentar projetos culturais acessíveis, o estado envia uma mensagem clara: as pessoas com deficiência são parte integral da sociedade e devem ocupar todos os espaços. Essa mensagem, quando reforçada por ações concretas, inspira também o setor privado a adequar seus serviços, inspira escolas a serem mais acolhedoras, inspira famílias a acreditarem no potencial de seus membros com deficiência. Trata-se de humanizar as relações e estruturas sociais, entendendo que a acessibilidade beneficia a todos em algum momento da vida – seja permanente ou temporariamente, qualquer pessoa pode precisar de ambientes mais amigáveis. Uma calçada sem buracos e com rampa ajuda o cadeirante, mas também o idoso, a gestante, a pessoa com mobilidade reduzida temporariamente. Um vídeo com legendas ou em Libras ajuda o surdo, mas também quem está em local silencioso. Ou seja, inclusão gera bem-estar coletivo.

Rumo a uma Sociedade Inclusiva e Transformadora

Os dados recentes sobre pessoas com deficiência no Espírito Santo não devem ser vistos apenas como estatísticas, mas como vidas e histórias que importam e que podem ser transformadas por meio da inclusão. Eles escancaram desafios em educação, trabalho e acesso, mas também apontam caminhos e potencialidades. Já há esforços em curso e exemplos inspiradores, internos e externos, mostrando que a mudança é possível. Agora, é preciso ampliar a escala dessas ações.

Investir em iniciativas como o Samba com as Mãos – ou adaptá-las à realidade local – não é um gasto supérfluo, mas sim um investimento social e cultural que retorna em forma de participação cidadã, autoestima elevada e coesão comunitária. Quando uma pessoa com deficiência é incluída, toda a sociedade ganha: ganhamos em justiça, em diversidade de perspectivas e em inovação. Afinal, uma sociedade que acolhe é uma sociedade que aprende com as diferenças e se enriquece delas.

Que o Espírito Santo seja incentivado a abraçar de vez a acessibilidade e a inclusão como pilares de seu desenvolvimento. Com políticas públicas comprometidas e uma sociedade engajada, é possível construir um estado onde ninguém fique de fora das oportunidades, seja na sala de aula, no mercado de trabalho ou nos momentos de lazer e cultura. A mudança cultural e comportamental talvez não aconteça da noite para o dia, mas cada projeto implantado, cada política efetivada e cada atitude inclusiva do dia a dia vão, tijolo por tijolo, erguendo uma nova realidade. Uma realidade em que a valorização da inclusão social e cultural das pessoas com deficiência seja o orgulho do povo capixaba, transformando vidas e celebrando a diversidade humana em toda a sua plenitude.

Em resumo, os números nos informam e inspiram ação; os exemplos nos mostram o caminho; e a determinação coletiva nos levará a um futuro mais inclusivo. Que o Espírito Santo responda a esse chamado investindo mais, inovando sempre e, sobretudo, acreditando no poder transformador da inclusão. As pessoas com deficiência merecem nada menos do que isso – e a sociedade como um todo só tem a ganhar com essa transformação. Lembre-se de valorizar as potencialidades das pessoas com deficiência, em vez de focar em suas limitações. A deficiência é apenas uma das muitas características que compõem cada indivíduo.

“A opinião deste colunista não reflete, necessariamente, a opinião da RedeTV! Espírito Santo.”

Jornalista, apresentador de TV, empresário e empreendedor social com profundo compromisso com a inclusão. Como embaixador da Vitória Down, criei a “Brigada 21”, primeira brigada de bombeiros composta por pessoas com Síndrome de Down no Brasil e possivelmente no mundo. Também idealizei o “Pelotão 21”, primeiro pelotão do Exército Brasileiro formado por pessoas com Síndrome de Down, e a “Patrulha 21”, projeto que proporcionou experiências na Guarda Municipal de Vitória e no Salvamar. Possuo diploma da ADESG – Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra, com especialização em Política e Estratégia, e sou Comendador do 38° Batalhão de Infantaria do Exército Brasileiro. Além disso, sou embaixador do projeto “Empoderadas”, idealizado pela campeã mundial de Jiu-jítsu e referência nacional no enfrentamento à violência contra a mulher, Erica Paes.

Colunas Recentes