SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um dos signatários de um manifesto lançado em agosto que reuniu mais de 50 lideranças empresariais para defender o combate às mudanças climáticas, Fábio Barbosa, presidente da Natura &Co, diz ver o consumidor da atualidade muito mais conscientizado sobre a importância da descarbonização.
Para Barbosa, o mercado passa por uma mudança geracional em que os mais jovens se guiam por novos padrões de consumo, e os produtos que não respeitarem critérios ambientais perderão espaço.
Segundo o executivo, o primeiro tema do movimento empresarial pelo meio ambiente é a defesa do avanço do mercado de crédito carbono, o que pode abrir as portas para investimentos também em energia limpa.
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PERGUNTA – Como começou essa movimentação de empresários pelo combate aos efeitos do aquecimento global?
FÁBIO BARBOSA – Tudo começa com o fato de estarmos preocupados com a tendência de mudanças climáticas que está acontecendo no mundo, sem que haja um comprometimento por parte de todos os governos. Não é um assunto só de Brasil. Eu até acho que o Brasil é um dos mais bem posicionados. O meu ponto é que nós podemos ser uma potência ambiental, mas temos de fazer o dever de casa.
Não podemos ter queimadas, falta de cuidados na preservação da Amazônia, falta de regulamentação para o mercado de crédito de carbono.
Daí, conversando com alguns empresários, falamos: “Não estamos sentindo uma movimentação grande nesse tema”. E surgiu a ideia de fazer um pacto econômico pela natureza, um manifesto.
P – Que respostas vocês já têm ouvido do governo e do Congresso neste esforço?
FB – A gente defende que esse é um assunto para ser tratado entre o setor privado, o setor público, as ONGs, toda a sociedade, de forma organizada.
O que temos de concreto é um posicionamento forte na questão do crédito de carbono. Vamos mostrar [ao mundo] uma evolução concreta para podermos dizer: “Estamos fazendo a lição de casa. Vamos fazer juntos, todos os países, para que seja possível resolver esse problema do crédito de carbono”.
Esse é um exemplo concreto de uma influência que estamos buscando ter em um assunto que é muito grande, obviamente, mas continuamos conversando para que possa avançar.
P – E a atração de investimento?
FB – Vou pegar o caso específico do crédito de carbono. O Brasil tem uma área que nenhum outro país tem, suficiente para causar impacto relevante. Outros países podem fazer isso, claro, mas o Brasil tem massa crítica. Eu digo terra, água, sol, para trabalhar em projetos de carbono, seja para compensar emissões de carbono, seja para capturar carbono.
Hoje, no mundo, não é só uma questão de emitir menos, mas também de tirar da atmosfera o que já está aí. Mas para que haja investimentos grandes, é necessário um arcabouço jurídico que permita às empresas ver como é que se compra, como se vende e que proteção tem. Por isso é que nós fomos primeiro neste assunto do crédito de carbono, para poder atrair investimentos. E existem outros investimentos em preservação da Amazônia, regeneração.
Então, sim, o Brasil tem condição de atrair investimentos de vários países, inclusive para energia limpa, solar, eólica, agropecuária. É o país que pode alimentar o mundo e compensar as emissões que acontecem no mundo.
P – Essa é a primeira iniciativa desse movimento empresarial. O que vem depois?
FB – Vamos olhar como discutir a questão da preservação da Amazônia e a criminalidade que acontece lá. Como vão ser combatidos os garimpos ilegais? São vários tópicos e serão tratados pouco a pouco.
Hoje, existe uma condenação indevida no agronegócio. A maior parte dele faz as coisas corretamente. Mas tem uma parte que não faz. Como se combate essa parte que não faz, de tal maneira que a imagem do Brasil seja melhor, e a gente não sofra sanções? Hoje, a proteção de florestas acontece razoavelmente bem, porém, existem garimpos ilegais que mancham a história. Como vamos combater isso? É um esforço de governo federal, estadual, ONGs, setor privado.
É isso o que queremos fazer. São problemas complexos. Sem endereçá-los, nós não vamos nos qualificar para sermos líderes na questão ambiental no mundo.
P – A Natura lançou, recentemente, um plano para zerar a emissão de carbono próprio até 2030. Do que se trata?
FB – Todas as empresas vêm procurando reduzir a emissão de carbono. Porém, o que acontece muito é a empresa falar que vai continuar emitindo carbono e vai comprar créditos de carbono. É uma estratégia totalmente aceitável e parte do que eu comentei.
A Natura está se propondo a zerar, ou seja, não vai compensar comprando créditos. É o chamado escopo 1 e 2, em que ela zera emissões na sua atividade e na energia que usa. No escopo 3, que abrange fornecedores, distribuidores, consultoras, ainda existe impacto. Lá, nós queremos reduzir em 42% a emissão. E, na parte que não puder ser reduzida, vamos fazer compensação com créditos de carbono. Isso significa mexer com embalagens, com produtos, veículos, caldeiras, setores como a produção de palma, de maneira que seja algo sustentável e regenerativo na medida do possível.
P – O consumidor final já entendeu a importância da descarbonização? Ele é capaz de perceber isso como um valor no produto e até pagar mais por isso?
FB – Eu trabalho com esse tema há mais ou menos 30 anos. Quando ninguém falava nesse tema, eu já estava lá falando disso e tive uma identificação muito grande com a Natura. Lá atrás, nós pensávamos coisas muito parecidas. A Natura fez disso a sua estratégia.
Eu costumo dizer que isso é uma questão geracional. Se a nossa geração não deixou um Brasil melhor para os nossos filhos, terá deixado filhos melhores para o nosso Brasil. A juventude tem sim uma preocupação com relação à saudabilidade dos alimentos, à origem do alimento, se veio de área desmatada ou não, à questão do plástico, da regeneração, à questão da energia limpa, da poluição. É algo que as gerações anteriores não tiveram. Dentre os mais jovens, se percebe uma crescente preocupação. Junto aos mais velhos, não necessariamente.
Essas pessoas que têm hoje esses valores e essa consciência ambiental, social, ética e cidadã, essa juventude entre 15 e 35 anos, cada vez mais vai avançando e transformando essas crenças em exigências no padrão de consumo.
Não querem pagar mais, mas não pagarão pelo produto que não tiver essa qualificação. Eu já falei para muitas empresas que não é uma questão de pagar mais. A questão é que, talvez, o seu produto não chegue no mercado, se não estiver de acordo com certos padrões ambientais, sociais e de saúde.
RAIO-X | FÁBIO BARBOSA, 70
Diretor-presidente da Natura &Co, o executivo entrou no conselho de administração da Natura Cosméticos em 2017. Em sua carreira, ocupou postos como as presidências do Banco ABN Amro Real, do Santander Brasil, da Febraban, da Abril Mídia, entre outras posições