BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Uma denúncia anônima enviada à Polícia Civil do Distrito Federal afirmou que “índios disfarçados” fariam um “quebra-quebra” em Brasília dois dias antes da diplomação do presidente Lula (PT), em 10 de dezembro de 2022.
O relato reforça os indícios de que a ação em Brasília em 12 de dezembro daquele ano teria sido planejada por golpistas e não consequência da prisão do chamado cacique Serere Xavante, como alegado na ocasião.
Naquele 12 de dezembro, bolsonaristas tentaram invadir a sede da PF e depredaram a área central da cidade. O grupo quebrou postes de iluminação, espalhou botijões de gás, cercou o hotel onde Lula estava hospedado, queimou carros e ônibus e quase jogou um dos veículos de um viaduto.
A denúncia anônima de 8 de dezembro dizia que “índios disfarçados” estavam saindo do Paraná com destino a Brasília em vários ônibus para provocar um “quebra-quebra” no dia 10. Um dos motoristas chegou a ver armas de fogo nas bagagens dos passageiros.
“Segundo a denúncia, vários ônibus estariam saindo da cidade de Cascavel (PR) e região, para uma suposta manifestação de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro em Brasília. Tal manifestação ocorreria no sábado 10/12/2022”, dizia trecho do documento feito pela Polícia Civil.
“Ainda de acordo com o denunciante, os passageiros dos referidos ônibus seriam ‘índios disfarçados’ e que estariam vindo para Brasília a fim de provocar um ‘quebra-quebra’ na manifestação. Além disso, um dos motoristas dos ônibus teria visto armas de fogo na bagagem dos passageiros.”
A Polícia Federal tem revisitado informações sobre os atos de vandalismo do dia 12 de dezembro de 2022 a partir de novos depoimentos. Ao menos um oficial da Polícia Militar do DF foi ouvido pela corporação no final do ano passado, segundo pessoas a par do caso.
A denúncia anônima também reforça a informação levantada pela PF de que golpistas queriam criar um cenário de caos na capital federal que forçasse a convocação das Forças Armadas antes da posse de Lula.
Em contas de WhatsApp vinculadas ao general da reserva Mario Fernandes, ex-número dois da Secretaria-Geral da Presidência no governo Bolsonaro (PL), a PF encontrou uma convocação para que houvesse um “cenário caótico” em Brasília naquela ocasião.
O comunicado compartilhado pelo WhatsApp dizia ser preciso fazer “a maior mobilização da história do Brasil” em 10 de dezembro “para que o cenário caótico estabelecido a nível nacional seja impossível de ser resolvido sem a convocação das Forças Armadas”.
A mensagem também orientava as pessoas a repassarem a convocação individualmente e apagarem depois: “Depois de mandar essa mensagem e se certificar de que as pessoas a receberam, apague-a. Para que não fique registrado em nenhum WhatsApp”.
O relatório final em que Bolsonaro e Fernandes foram indiciados por tentativa de golpe não explica por que o ato de 10 de dezembro de 2022 foi frustrado.
Lula foi diplomado em 12 de dezembro de 2022 data antecipada em uma semana a pedido da campanha petista diante dos protestos golpistas em frente a quartéis. A tentativa de invasão da PF ocorreu horas após a cerimônia.
A partir da denúncia anônima de 2022, um documento foi feito pela Divisão de Inteligência Policial da Polícia Civil. O registro foi obtido pela Folha de S.Paulo em 2023. Na ocasião, a reportagem procurou a Polícia Civil e as duas polícias para as quais o relatório teria sido enviado, a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Militar do DF.
A assessoria de imprensa da Polícia Civil do DF confirmou ter repassado informações aos órgãos de inteligência da PRF e da PMDF, mas disse não saber o conteúdo diante do sigilo do documento.
“As informações referentes a ações de inteligência policial são restritas aos órgãos de inteligência, ao Poder Judiciário e ao Ministério Público. Nem mesmo os sistemas de informação da ascom [assessoria de comunicação] acessam o conteúdo desses procedimentos investigatórios”, disse.
“Lembramos também que denúncias anônimas são uma ferramenta importante para o combate à criminalidade, e incentivamos a população a continuar colaborando com a Polícia Civil por meio dos canais disponíveis para esse fim.”
Na ocasião, a reportagem procurou a assessoria de imprensa da Polícia Militar do DF para saber se a denúncia havia sido recebida e se alguma providência havia sido tomada. Não houve resposta.
Por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação), a PRF afirmou que a informação foi recebida em 8 de dezembro de 2022, “processada e utilizada para subsidiar o processo decisório dos gestores da PRF à época”, conforme a doutrina de inteligência.
A PRF acrescentou que 245 ônibus foram fiscalizados entre os dias 8 e 10 nos estados que fazem parte do itinerário entre Cascavel (PR) e Brasília, sendo 31 no Paraná, 41 em São Paulo, 73 em Minas Gerais, 91 em Goiás e 9 no DF.
O relatório final da PF que indiciou o ex-presidente e outras 36 pessoas por golpe de Estado foi enviado à PGR (Procuradoria-Geral da República) no fim de 2024. A expectativa é de que a PGR decida, ainda neste ano, se denuncia ou não os investigados.
Serere foi preso em dezembro na Argentina. Ele havia sido detido há dois anos, mas obteve o direito de usar tornozeleira eletrônica e quebrou o aparelho, há cerca de seis meses. Ele é réu pela participação nos atos antidemocráticos de 2022.