FOLHAPRESS – Em determinado momento de “A Verdadeira Dor”, Benji Kaplan, personagem inicialmente chatérrimo de Kieran Culkin, resolve tirar fotos interagindo com um monumento dedicado aos heróis da Segunda Guerra Mundial, em Varsóvia, na Polônia.
O primo, David Kaplan, vivido por Jesse Eisenberg, fica constrangido pela estupidez de Benji, e mais ainda porque os outros viajantes da excursão pela memória do holocausto resolvem participar da brincadeira. Poucos filmes mostraram tão drasticamente a estupidez como um mal contagioso.
Eisenberg é também o diretor, e essa cena mostra uma inaptidão para imprimir dinamismo ao filme, forçando uma câmera que chacoalha sem critério, interrompida por cortes ainda mais descuidados. Temos receio de vermos, na sequência, um bando de tolos brincando com um assunto sério.
Esse é de fato o momento chave do filme. Daí em diante, ele pode se perder completamente, ou corrigir naturalmente a rota conforme os personagens tomam cada vez mais contato com os acontecimentos drásticos de seus antepassados.
Não é uma comédia, apesar de ter cenas engraçadas. Há momentos de leveza e há momentos de gravidade e tensão, como na sequência da visita a um campo de extermínio. A direção de Eisenberg é correta na maior parte do tempo, mas pouco imaginativa. São os atores que nos conectam com a trama.
Como David é incapaz de se impor, ele tolera inicialmente as atitudes do primo, mesmo entendendo que são equivocadas, desrespeitosas ou grosseiras. Com o passar do tempo, percebemos que não há uma união verdadeira entre eles, e talvez não seja possível.
Dois homens de temperamentos opostos resolvem fazer juntos essa viagem. O quieto e um tanto acomodado David aprende a se soltar um pouco com o expansivo Benji, enquanto este, por incrível que pareça, domina seus impulsos e se torna um pouco mais responsável depois de um tempo.
David é do tipo que raramente faz novos amigos. Não tem a cara de pau de falar o que pensa e, quando tem, num raro rompante de franqueza, peca pela falta de tato que acomete os introvertidos quando resolvem quebrar o casulo.
Seu primo é quase o contrário. Um moleque inconsequente, mas tão transparente em suas atenções e intenções que costuma cativar as pessoas ao redor. A franqueza é sua virtude, mesmo quando acompanha uma certa estupidez.
O filme segue um modelo muito prolífico do cinema americano desde, pelo menos, “Perdidos na Noite”, vencedor do Oscar de melhor filme de 1969. Nesse longa, Dustin Hoffman é o malandro de saúde debilitada que encontra Jon Voight, o cowboy perdido na cidade grande. Foi um grande sucesso da época, responsável pela consagração hollywoodiana do inglês John Schlesinger, vencedor do Oscar de melhor direção pelo mesmo filme.
Inúmeros exemplos de viajantes de personalidades opostas surgirão nos anos seguintes, de “O Espantalho”, de 1973, a outro vencedor do Oscar de melhor filme, “Rain Man”, de 1988, entre muitos outros com menos prestígio ou sucesso comercial.
O modelo mais bem-sucedido, porém, vem da Itália e de 1962 ”Aquele que Sabe Viver”, de Dino Risi, em que Vittorio Gassman é o malandro que ensina um pouco da boa vida de playboy para o estudante introvertido Jean-Louis Trintignant.
Pobre “A Verdadeira Dor” quando comparado ao filme de Risi. Gassman é um bon vivant mais charmoso que Culkin, e Trintignant dá de dez no travado Eisenberg em matéria de carisma. A gravidade vem de outro modo no filme italiano, mais surpreendente e incisiva. Mas a troca entre os dois e a maneira como as atitudes de um afeta o outro são bem similares.
É verdade que David e Benji se tornam menos chatos conforme vão se afinando no convívio e tomando contato com as dores do holocausto e das raízes judaico polonesas.
É igualmente verdade que, conforme a personalidade de cada primo vai se modificando pelo contato com a personalidade do outro, o filme cresce, sobretudo na ideia de estrangeiros em contato com uma língua que eles não entendem o episódio dos vizinhos reclamando das pedras é exemplar do que o filme tem de melhor.
“A Verdadeira Dor” corria um sério risco de se contaminar pela estupidez. Felizmente, o trauma histórico e a busca pela superação se impõem e o filme se revela um testemunho digno de uma tomada de consciência.
A VERDADEIRA DOR
– Avaliação Bom
– Onde Nos cinemas
– Elenco Jesse Eisenberg, Kieran Culkin, Jennifer Grey
– Produção EUA, Polônia, 2024
– Direção Jesse Eisenberg