SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Mesmo após dois leilões extraordinários de câmbio feitos pelo BC (Banco Central) nesta segunda-feira (16), o dólar fechou no maior valor nominal da história, encerrando o pregão com disparada de 1,03%, cotado a R$ 6,091.
A autoridade monetária injetou US$ 4,6 bilhões no mercado de câmbio nesta segunda, mas isso não foi o suficiente para conter a alta da moeda. Esta foi a quarta intervenção do BC em menos de uma semana com o objetivo de controlar o avanço do dólar.
O real foi a moeda que mais se desvalorizou entre as moedas dos países emergentes e entre as principais moedas do mundo.
Já a Bolsa fechou com forte queda de 0,84%, aos 123.560 pontos.
Os juros saltaram em toda a extensão da curva de contratos futuros. O contrato para janeiro de 2027 estava em 15,52%, ante 15,05% no ajuste anterior, com variação de 0,47 ponto percentual. Já o contrato para janeiro de 2029 estava em 15,27%, ante 14,61% no ajuste anterior, com variação de 0,66 ponto percentual.
A taxa para janeiro de 2035 subiu 0,73 ponto percentual, de 13,86% para 14,59%.
Ainda que o valor de R$ 6,09 seja recorde na base nominal -a que desconsidera a inflação do cálculo-, a maior cotação real foi atingida em setembro de 2002, na esteira da primeira eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Corrigido pela inflação, o valor do dólar naquela ocasião seria hoje o correspondente a R$ 8,75.
A conta, feito pela consultoria Elos Ayta, considera a cotação da Ptax -a taxa de câmbio calculada pelo BC (Banco Central)- e ajustes pela inflação brasileira (IPCA) e norte-americana (CPI) até novembro de 2024.
Analistas consultados pela reportagem avaliam que a alta do dólar persiste devido às incertezas fiscais e à falta de confiança dos investidores na condução econômica do governo brasileiro.
Apesar das intervenções do BC com leilões, para os especialistas, os problemas estruturais, como a ausência de um plano fiscal robusto e consistente, continuam alimentando a pressão sobre o câmbio.
“O dólar segue subindo porque as incertezas fiscais e monetárias no Brasil, exacerbadas pelas críticas do governo à política de juros e pela falta de um pacote fiscal robusto, estão gerando desconfiança entre os investidores”, afirma Hayson Silva, analista da Nova Futura Investimentos.
Rodrigo Miotto, gerente de câmbio da Nippur Finance, explica que os leilões do BC têm efeito de curto prazo, ajudando a conter a volatilidade, mas não são suficientes para resolver problemas econômicos estruturais. “É um remédio apenas para tratar o sintoma, mas não a causa da dor.”
A autoridade monetária já realizou quatro leilões desde a semana passada para conter o dólar.
Nesta segunda, em um leilão extraordinário de dólares à vista, o BC vendeu US$ 1,6275 bilhão. Em comunicado, a autarquia disse que foram aceitas 18 propostas entre 9h35 e 9h40 no pregão não programado e que a taxa de corte foi de 6,0400.
Esse foi o maior valor injetado pelo BC no mercado em um único leilão de dólares à vista desde 10 de março de 2020, quando foram vendidos US$ 2 bilhões.
Na sequência, a autoridade monetária vendeu US$ 3 bilhões com compromisso de recompra, no chamado leilão de linha. Foram aceitas seis propostas, entre 10h20 e 10h25, no valor total ofertado. O BC comunicou que a taxa de corte do leilão foi de 6,010000%
As operações serão liquidadas na próxima quarta-feira (18), e a recompra de dólares está prevista para 6 de março de 2025. A realização do leilão de linha tinha sido programada pela autoridade monetária na última sexta (13).
Trata-se de uma intervenção da autoridade monetária no mercado de câmbio. Na prática, é uma injeção de dólares no mercado como forma de atenuar disfuncionalidades nas negociações e diminuir a cotação, seguindo a lei da oferta e demanda.
Apesar de o BC não ter dito o motivo dos leilões, eles ocorrem em meio à crescente desvalorização do real, com o dólar fechando acima de R$ 6 na maior parte das sessões deste mês em meio à reação negativa do mercado ao duplo anúncio do governo de um pacote fiscal e de uma reforma do Imposto de Renda.
“O Brasil conta com reservas cambiais adequadas ao seu nível de risco, mas utilizá-las de forma indiscriminada para conter o câmbio pode gerar um efeito artificial e temporário. Sem ajustes estruturais, como uma política fiscal consistente, as intervenções no mercado cambial serão ineficazes e o dólar continuará pressionado”, afirma Matheus Spiess, analista da Empiricus Research.
Ao fim de novembro, o futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, disse que o BC interviria apenas se houvesse disfuncionalidades no mercado cambial.
“O câmbio flutuante é uma ferramenta muito importante dentro do que é a matriz da política econômica brasileira para poder absorver choques como esse que estamos assistindo. O Banco Central está sempre acompanhando para entender se existe algum tipo de disfuncionalidade, mas não mira qualquer tipo de nível de câmbio”, disse à época.
Na quinta-feira (12), o BC já havia vendido US$ 4 bilhões em dois leilões de linha e na sexta vendeu US$ 845 milhões em um leilão à vista.
O leilão extraordinário desta sexta conseguiu desacelerar a disparada do dólar, mas não foi capaz de reverter a tendência de alta. O sentimento predominante do mercado continua sendo de cautela em meio a preocupações sobre a trajetória das contas públicas do país.
Operadores afirmam que o leilão foi necessário para driblar a falta de dólares no país, comum nesta época do ano devido a remessas de dinheiro de empresas estrangeiras para as matrizes.
Os bancos estão com aproximadamente US$ 30 bilhões em caixa, segundo dados da Bloomberg, um valor relativamente baixo. Em setembro, por exemplo, o saldo era de US$ 50,6 bilhões.
Geralmente, com o dólar alto e poucos recursos em caixa, bancos relatam a dificuldade ao Banco Central, que faz a venda de dólares à vista.
No cenário externo, os mercados aguardam a decisão de política monetária do Fed (Federal Reserve, o banco central americano) na quarta-feira, em que se espera que a autoridade reduza os juros em 25 pontos percentuais.
Na cena doméstica, restam apenas cinco dias para o início do recesso de fim de ano do Congresso, e o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) corre contra o tempo para aprovar o pacote de contenção de gastos ainda neste ano.
A tramitação esbarrou na liberação de emendas parlamentares, instrumento no centro do imbróglio entre o Executivo e o Legislativo.
O governo liberou as emendas em portaria no início da semana, e já foram pagos quase R$ 1,76 bilhão dos R$ 6,8 bilhões represados devido às decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) que exigiam mais transparência a rastreabilidade nos repasses.
Mas lideranças parlamentares ouvidas pela reportagem admitem que a chance de votação do pacote diminuiu diante da avaliação de que há temas espinhosos entre as medidas que demandam mais tempo de discussão. Entre os descontentes, a própria bancada do PT.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que há um problema inegável de prazo para aprovação do pacote de gastos, mas demonstrou estar confiante.
“A ausência do presidente Lula (PT) [internado após uma cirurgia em São Paulo] redobra nossa responsabilidade de tentar resolver as pendências e os problemas até para que ele possa ter uma recuperação tranquila. Não queremos levar problemas para ele, queremos levar solução. Para ele se recuperar bem e voltar a trabalhar porque nós precisamos dele”, disse.
O clima entre os investidores é de ver para crer. “Ninguém sabe se o pacote fiscal vai andar ou não, porque isso junta com a questão da hospitalização do presidente. O sentimento é bem ruim”, diz Espirito Santo, da Way Investimentos.
Lula teve alta do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, nesse domingo (15), após ficar seis dias internado. Ele passou por uma cirurgia chamada trepanação, que consiste na remoção de um coágulo por meio de dreno colocado em um orifício aberto no crânio do paciente. Na quinta, passou por outro procedimento para interromper o fluxo de sangue em uma região de seu cérebro e, assim, impedir novos sangramentos.
As intervenções foram bem-sucedidas. Enquanto Lula está se tratando, as negociações do pacote fiscal estão sob cuidados dos ministros Rui Costa (Casa Civil), Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Fernando Haddad e Jorge Messias (AGU).