SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O dólar iniciou esta quinta-feira (5) em leve queda, enquanto a Bolsa operava em alta, mas ao longo da manhã o cenário se intensificou, com a moeda americana despencando e a Bolsa disparando, com investidores atentos às discussões sobre as medidas econômicas anunciadas pelo governo há uma semana.
Na quarta-feira (4), a Câmara dos Deputados aprovou os primeiros pedidos de tramitação acelerada para dois projetos relacionados às medidas de corte de gastos propostas pelo governo Lula (PT).
Às 11h21, o dólar registrava queda de 1,06%, cotado a R$ 5,979, marcando a primeira vez que a moeda opera abaixo de R$ 6 desde o anúncio das medidas fiscais. A Bolsa avançava 1,29%, alcançando 127.725 pontos, com destaque para as ações da Eletrobras, que subiam cerca de 5% após decisão relacionada à Conta de Desenvolvimento Energético.
Na quarta, a moeda dos EUA fechou em leve queda 0,27%, cotada a R$ 6,044, e a Bolsa caiu 0,04%, aos 126.087 pontos.
O mercado reagiu, na ponta doméstica, a declarações do ministro Fernando Haddad (Fazenda) e do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), sobre o pacote fiscal do governo.
Já no exterior, dados do mercado de trabalho dos Estados Unidos e a falas de Jerome Powell, presidente do Fed (Federal Reserve, o banco central norte-americano), foram destaque.
Haddad e Lira falaram em evento do portal Jota, em Brasília, pela manhã.
O chefe da ala econômica do governo criticou a forma como parte do mercado recebeu as medidas fiscais anunciadas na semana passada. Ele afirmou que pacote é suficiente para o momento e deve ser aprovado no Congresso ainda neste ano, mas não descartou a possibilidade de ajustes futuros, caso necessário.
O ministro ainda disse que mercado tem “toda legitimidade” para criticar, mas que o “filme é melhor que a fotografia”.
Apresentado na quinta-feira, o pacote de cortes de gastos prevê uma economia de R$ 71,9 bilhões em 2025 e 2026, mas decepcionou os agentes financeiros por excluir propostas de maior impacto nas contas públicas e por incluir a elevação para até R$ 5.000 na faixa de isenção do IR (Imposto de Renda).
A Fazenda estima que o aumento da faixa de isenção terá um impacto de cerca de R$ 35 bilhões na arrecadação federal. Isso será compensado, segundo Haddad, por uma alíquota mínima de 10% no IR para quem ganha mais de R$ 50 mil por mês, o equivalente a R$ 600 mil por ano.
A apresentação das duas propostas ao mesmo tempo, em um momento de grande expectativa pela contenção de despesas, passou a mensagem de que preocupação do governo é mais política do que econômica, o que afetou a segurança sobre os ativos brasileiros.
Sobre isso, Haddad disse: “Não acredito que alguém possa classificar na literatura, política ou econômica esse gesto como um gesto populista, como estão dizendo. E não me parece que as medidas de contenção de gasto sejam irrelevantes como alguns estão querendo fazer parecer.”
A desconfiança dos agentes financeiros também é sobre a matemática dos ajustes. Além da cobrança por mais detalhes sobre a compensação do IR, há a percepção de que as estimativas de economia de R$ 70 bilhões em dois anos estão infladas.
Haddad minimizou as preocupações. Ele reforçou que as mudanças no IR são neutras do ponto de vista fiscal e que os técnicos da Fazenda “trabalharam muito” para fazer os cálculos.
“Agora tem que explicar. Os meus secretários estão aí dando entrevistas, fazendo reuniões com os agentes de mercado. Estão explicando.”
As medidas geraram grande estresse no mercado e levaram levaram o dólar a bater recordes na base nominal a que desconsidera a inflação por quatro sessões consecutivas.
As variações da moeda têm sido tímidas, passada a forte reação inicial. “Sobe muito pouco ou cai muito pouco, ou seja, são movimentos facilmente reversíveis a depender do ritmo de aprovação do pacote fiscal e do quão profundo será esse pacote, depois de eventuais e necessárias modificações do Congresso Nacional”, diz Matheus Spiess, analista da Empiricus Research.
Arthur Lira, no mesmo evento que Haddad, assegurou que o pacote fiscal será aprovado pela Câmara dos Deputados “nesta semana ou na outra”, ainda que tenha criticado a articulação do governo no Congresso.
Segundo ele, há uma parcela de deputados que defende cortes mais duros do que os previstos pela equipe econômica.
“Vamos conseguir nessa semana, na outra, vamos dialogando. O governo está empenhado, o próprio presidente Lula deve estar preocupado com essa situação.”
Na análise de Paloma Lopes, economista da Valor Investimentos, a “ineficiência do governo em comunicar o que será feito em relação ao pacote e ao IR” tem impedido uma queda maior do dólar.
“É preciso saber exatamente de onde vai sair o dinheiro [que vai compensar o aumento da isenção do IR], e até agora isso não está claro.”
Há ainda a cena internacional na conta. A cotação do dólar, aqui, também foi influenciada pela queda da divisa globalmente.
Em discurso nesta tarde, Jerome Powell disse que o desempenho recente da economia dos Estados Unidos permite que o Fed seja mais criterioso com a trajetória dos juros.
“Podemos nos dar ao luxo de sermos um pouco mais cautelosos ao tentarmos encontrar a neutralidade” com a política de juros, afirmou o presidente do Fed, citando a força da economia norte-americana e uma inflação um pouco mais alta do que o esperado
Além disso, dados da ADP (Automatic Data Processing) mostraram que 146 mil empregos no setor privado dos EUA foram criados em novembro. O resultado veio ligeiramente abaixo da expectativa de 150 mil de analistas consultados pela Reuters.
O relatório antecede o “payroll” (folha de pagamento), que será divulgado na sexta e é a referência de indicador de mercado de trabalho por lá.
Com isso, operadores têm firmado apostas em um corte de 0,25 ponto percentual na próxima reunião do Fed neste mês, hoje na faixa de 4,50% e 4,75%.