SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Jerry Saltz é um dos críticos de arte mais influentes dos Estados Unidos hoje.
Parte dessa fama se deve às polêmicas em que ele já se envolveu, uma lista que inclui contestar a autenticidade de uma pintura atribuída a Leonardo da Vinci e ser banido do Facebook por publicar reproduções de obras consideradas ofensivas. Mas uma outra parte se deve à maneira irreverente e sem rodeios com que ele se comunica um diferencial em uma área em que sobram abstrações e hipérboles.
O estilo do autor ganhador do Pulitzer permeia o seu livro “Como Ser Artista”, expansão de um texto que ele publicou na revista New York em 2018. Nele, Saltz fornece seis passos para que o leitor, tal qual diz o título, se insira no campo artístico, com dicas que vão da busca por inspiração à sobrevivência no “ninho de cobras” (palavras dele) que é o mercado de arte.
Mas o que um crítico sabe sobre ser artista? “Sim, quem diabos sou para escrever um livro desses?”, ele concorda diante da pergunta da reportagem. “Bem, eu sou todo artista que falhou. Sou todo mundo que ouviu o chamado e foi impedido pelo medo de passar vergonha, de não ter nada a dizer. Todos esses medos que um artista sente, eu quis abordar como um ex-artista”, afirma.
Além disso, “eu fui artista, e as memórias dessa época são tão profundas, tão fortes, tão comoventes”, acrescenta. “Então não me ouça. Ouça o meu antigo eu, aquele que um dia foi e de quem ainda me lembro.”
Saltz só se tornou crítico de arte aos 40 e poucos anos. Antes, tentou ser pintor e não seguiu em frente. Acabou trabalhando por uma década como caminhoneiro. Ele conta que a princípio achou que aquela seria uma vida romântica. Com o passar dos anos, porém, passou a odiar a estrada e a sentir falta do métier nova-iorquino.
O autor diz que aprendeu a escrever sobre arte copiando o estilo de artigos da Artforum, uma das revistas especializadas mais respeitadas do mundo. Mesmo quando começou a ter os textos publicados, no entanto, afirma que “não sabia o que estava fazendo”. Até que um dia, atrasado para enviar um artigo, apostou na própria voz. E nunca mais parou.
Essa busca por autenticidade se faz presente na maior parte dos conselhos de “Como Ser Artista”. “Saiba o que você odeia”, “assuma seus prazeres infames”, “não sinta vergonha” e “se perca” são algumas de suas orientações aos aspirantes a artistas na publicação.
O livro é o primeiro do autor a ser lançado no Brasil. É também provavelmente aquele cuja linguagem é a mais próxima daquela que usa nas redes sociais, provocativa e concisa os demais são, em sua maioria, coletâneas de ensaios que publicou na imprensa ao longo dos anos, mais elaborados e, em certa medida, menos acessíveis.
Em comparação, suas postagens muitas vezes consistem em poucas frases, que vão de perguntas sobre o cotidiano, como qual foi o melhor filme que seus seguidores viram no ano passado, a pílulas filosóficas sobre as artes plásticas.
Saltz diz que “Como Ser Artista” é, das obras que escreveu, a sua preferida. “É a mais curta. Diria que é possível lê-la em duas ou três sentadas”, afirma. “E é barata. Você pode guardá-la no seu estúdio e fazer o que quiser com ela. Jogar na parede, por exemplo.”
O crítico define a publicação como uma espécie de livro de orações, com meditações curtas e compreensíveis “sobre, bem, tudo”. De fato, muitos dos conselhos que ele traz parecem se aplicar também a não artistas.
Saltz conta que ele mesmo se surpreendeu quando esportistas e chefs de cozinha, entre outros, o abordaram para contar que tinham se identificado com a publicação. Questionado sobre qual julga ter sido o motivo dessa identificação, responde que talvez todo processo criativo seja misterioso. “E eu devo ter tocado pelo menos algumas dessas ideias sobre a imaginação, sobre contar sua própria história, sobre a alteridade da arte, sobre não saber de onde ela vem, sobre se perder.”
Se no livro é seu lado de ex-artista que predomina, na entrevista Saltz dá uma amostra da língua ferina que se tornou sua marca.
“Como eu sou mais velho, ainda posso apontar o que não gosto”, diz. “Mas ninguém mais tem mais coragem de escrever críticas negativas. Têm medo de serem chamados de machistas, racistas, xenófobos.”
O crítico já deve ter sido chamado de todos esses adjetivos na internet. Em uma entrevista ao portal Vulture sobre “Como Ser Artista”, disse que começou a reavaliar o que publicava depois que foi chamado de “Donald Trump das redes sociais do mundo da arte”, em 2016.
Atualmente, ele limita suas publicações no Instagram, onde tem cerca de 680 mil seguidores, a imagens do próprio cotidiano e reproduções de suas postagens no X, além de obras de arte que o interessam.
O retorno de Trump à Casa Branca não deixou de ter impacto sobre Saltz. Ele afirma que, no governo Barack Obama, de 2009 a 2017, tinha a sensação de que uma certa produção artística cosmopolita, politicamente engajada, era central para a cultura dos Estados Unidos.
Ele cita Beyoncé, cujos álbuns têm aprofundado batalhas conceituais sobre o que é ser negro no país. “Hoje entendo que sempre estivemos fora do mainstream. A reeleição de Trump só reforça isso”, aponta.
Seja como artista mal-sucedido ou crítico, o recado de Saltz acaba sendo o mesmo. “Tudo o que as pessoas disserem que você não pode fazer, elas que se danem. Use todas as ideias que tiver, trabalhe em qualquer suporte, e você fracassará como você mesmo, não tentando ser algo diferente um humanista ou um progressista bonzinho, alguém que faz arte sobre as coisas certas. Fracasse com estilo. Fracasse como você mesmo.”
COMO SER ARTISTA
– Preço R$ 69,90 (152 págs.); R$ 49,90 (ebook)
– Autoria Jerry Saltz
– Editora Seiva
– Tradução Julia Lima