SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Entre os sete países de maior extensão territorial no mundo, o Brasil é quem tem a lei mais liberal quanto à compra de terras por estrangeiros. Negociações entre empresas já realizadas ou em andamento são questionadas na Justiça por envolverem companhias de capital internacional.
O país, com 8,5 milhões de quilômetros quadrados, permite a aquisição e arrendamento de imóvel rural por pessoas físicas ou companhias estrangeiras, desde que haja autorização do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) ou, em casos de áreas mais extensas, do Congresso Nacional.
O limite é de 25% do território do município onde as terras estão situadas. É possível adquirir ou arrendar mais do que isso mas, nesse caso, é necessária a anuência do presidente da República.
O STF (Supremo Tribunal Federal) delibera desde 2015 ação da SRB (Sociedade Rural Brasileira) que busca confirmar entendimento que iguala empresas brasileiras a empresas brasileiras de capital estrangeiro, o que seria uma liberação para o investimento internacional. Não há decisão até o momento.
O assunto está sob holofote no Brasil por causa de negociações de terras questionadas na Justiça. O caso mais rumoroso é o da Eldorado Celulose, vendida pela J&F em 2017 por R$ 15 bilhões para a Paper Excellence, empresa de origem indonésia.
A transferência de 100% das ações está paralisada por causa de liminar concedida pelo desembargador Rogério Favreto, do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) em atendimento à ação popular iniciada em Chapecó, em Santa Catarina.
A Paper afirma que comprou apenas o complexo industrial e não tem qualquer interesse em ser dona de terras. Comprometeu-se a vendê-las assim que tiver o comando da companhia.
Para a J&F, a rival deu declaração falsa ao assinar contrato e se dizer livre, apta e sem qualquer impedimento para assumir o controle da Eldorado. No contrato, ela está obrigada também a manter 230 mil hectares de terras.
Em outra ação popular, Rodrigo Monteferrante Ricupero, professor do departamento de História da USP (Universidade de São Paulo), contesta operações de compra de territórios que envolve, entre outras companhias, BP Bunge, Bioenergia, Bracell, BrasiAgro, Raízen e SLC Agrícola. Todas empresas de capital internacional.
As normas brasileiras visam proteger a soberania e o uso do território, especialmente em áreas estratégicas, mas há pressão para que sejam flexibilizadas, para estimular investimentos estrangeiros no agronegócio, o que também atende a interesses nacionais, afirma o advogado Lucas Brenner, especialista no setor. Segundo ele, também há críticas às regras “por sua complexidade e insegurança jurídica”.
RÚSSIA PROÍBE COMPRA POR CIDADÃOS DE ‘PAÍSES HOSTIS’
Na comparação com outros países de maior extensão territorial, o maior deles, a Rússia (17 milhões de quilômetros quadrados) proíbe estrangeiros de serem proprietários de terras agrícolas ou áreas significativas para a segurança nacional. O significado de “área de segurança nacional” é delimitado pelo Estado.
Desde fevereiro de 2022, há restrições especiais também a pessoas físicas ou empresas que sejam de países considerados “hostis.”
Canadá (10 milhões de quilômetros quadrados) e Estados Unidos (9,8 milhões de km2) colocam a responsabilidade de decisão nas mãos de províncias (no caso canadense) e estados (no americanos). Das 50 unidades federativas dos EUA, 29 restringem a aquisição de terras por estrangeiros, segundo dados do National Agricultural Law Center.
Estados como a Virgínia também citam nações consideradas inimigas para proibir a venda de imóveis e terras a chineses, cubanos, iranianos, norte-coreanos, russos e venezuelanos.
Na China (9,6 milhões de quilômetros quadrados) não existe a possibilidade de propriedade privada de terras, seja por entidades nacionais ou internacionais. O Estado é dono de todo o território. É possível obter direito de uso por determinado número de anos. Estrangeiros podem obter este direito.
A regra brasileira, que permite comprar ou arrendar até 25% da área dos municípios, respeitadas as restrições, “assegura a estabilidade da propriedade privada e oferece segurança jurídica tanto para investidores quanto para o país. Esse modelo preocupou-se em não afastar o capital estrangeiro”, afirma Tatiana Bonatti, advogada especializada em agronegócios, operações societárias e imobiliárias.
A preocupação com “países hostis” ou com a “segurança nacional” por preocupações geopolíticas não existe no país, enquanto Rússia, Estados Unidos e China, por exemplo, vivem um clima político de beligerância na política externa.
Para os defensores da presença de estrangeiros como donos de imóveis rurais no Brasil, esse é o ponto fundamental. A questão no país seria econômica e de investimento.
“Os demais países possuem território, mas não possuem condições para uma agropecuária de larga escala com a mesma competitividade. Com exceções para confirmar as regras, seus agricultores não visam crescimento no mercado global. Assim, talvez possam ter um setor agropecuário mais fechado em seus interesses nacionais. O agro brasileiro é global”, defende Francisco Godoy, especialista em direito agrário e conselheiro da SRB.
Projeto de lei apresentado pelo senador Irajá (PSD-TO) quer flexibilizar a compra de terras no país por estrangeiros. O texto já foi aprovado pelo Senado, mas está parado desde 2020 na Câmara dos Deputados.
“Eu vejo com muita preocupação pessoas que têm algum tipo de preconceito com investimento nacional ou internacional. Se respeita nossa soberania, as leis trabalhistas e o nosso arcabouço tributário, não há sentido segregar. É um tema ultrapassado”, disse ele à Folha no ano passado. “Do jeito que está hoje, um estrangeiro pode comprar todos os prédios da avenida Paulista, mas não pode comprar uma propriedade rural. Isso não tem sentido.”
A aprovação governamental se faz necessária na Austrália (7,9 milhões de quilômetros quadrados), onde o Tesouro pode proibir uma compra por empresa internacional considerada uma “ação significativa”. Isso, de acordo com a lei do país, de 1975, seria contrário aos interesses nacionais.
Mais restritiva ainda é a Índia (3,3 milhões de quilômetros quadrados). Um estrangeiro de origem não indiana, não pode adquirir nenhum imóvel, residencial ou agrícola. A única exceção é se for por meio de herança de alguém que era residente no país. Mas é possível arrendar terras pelo prazo máximo de cinco anos.
“O Brasil tem uma legislação mais alinhada com países de América Latina, como México e Colômbia. Quando a gente vai para as grandes potências, mesmo na Europa, as restrições são muito grandes. Para eles, a soberania na questão agrária é uma questão de soberania econômica. No Brasil, é um debate que deve ser colocado. O que nós queremos? Hoje fica uma situação meio de clandestinidade, de empresa estrangeira investindo em fundo, criando empresa brasileira…”, analisa Fernando Kuyven, advogado especializado em disputas societárias e árbitro.
ESTRANGEIROS PODEM SER DONOS DE TERRAS?
**Rússia**
Em áreas significativas para a segurança nacional, não. Condições especiais são impostas a empresas de nações hostis
**Canadá**
Responsabilidade dividida entre esfera federal e províncias. Há restrições à posse de propriedades agrícolas por estrangeiros em diferentes províncias
**EUA**
Cada estado estabelece a própria legislação. Dos 50 estados, 29 apresentam restrições à aquisição de terras por estrangeiros
**China**
O estado chinês é proprietário de toda a terra. O governo pode conceder o direito de uso de propriedades por alguns anos
**Brasil**
É preciso autorização do Incra e do Congresso Nacional (em caso de terras extensas) e a soma so território em posse de uma empresa estrangeira não pode ultrapassar 25% do município onde está localizada
**Austrália**
Compras de terras por estrangeiros devem ser relatadas ao Tesouro, que tem o poder de vetá-las, se considerar do interesse nacional
**Índia**
Estrangeiro de origem não indiana e que não esteja no país não pode comprar terras a não ser que seja por herança de uma pessoa que vivia na Índia