Compartilhe

WhatsApp
Facebook
Telegram

Mostra reúne ateísmo de Eisenstein, milagre de Dreyer e filmes nacionais raros

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em sua terceira edição, a Mostra SAC, da Cinemateca Brasileira, que preserva o propósito de mostrar filmes clássicos, raros e diversos, ao mesmo tempo em que homenageia a Sociedade Amigos da Cinemateca, que segura o rojão nas horas difíceis e, atualmente, gerencia a

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em sua terceira edição, a Mostra SAC, da Cinemateca Brasileira, que preserva o propósito de mostrar filmes clássicos, raros e diversos, ao mesmo tempo em que homenageia a Sociedade Amigos da Cinemateca, que segura o rojão nas horas difíceis e, atualmente, gerencia a própria cinemateca.

A mostra traz, de 7 a 15 de dezembro, um grupo de filmes que dificilmente se poderia encontrar algum tipo de unidade. Há os solidamente ateus, como “Outubro” (1928), de Eisenstein, e os decididamente cristãos, como “A Palavra” (1955), de Carl Th. Dreyer: duas obras-primas, cada uma à sua maneira: em “Outubro” assistimos à tomada de poder pelos bolcheviques na Rússia; em “A Palavra”, a um milagre que deve mais ao cinema do que aos céus, mas milagre de todo modo.

A religião estará presente ainda em “A Religiosa” (1966), de Jacques Rivette, que fez grande escândalo na época sobretudo porque a religião não se faz aqui acompanhar da fé: a jovem Simone Simonin (Anna Karina), transformada em freira, é mais um objeto de negócio familiar do que outra coisa.

O setor brasileiro troca obras-primas por raridades. Começa pelo Alex Viany do melodrama social “Rua sem Sol” (1954), oportunidade para rever, antes de mais nada, Glauce Rocha. Segue com duas das grandes esperanças do cinema paulista pós-Vera Cruz, Galileu Garcia, de “Cara de Fogo” (1958) e Carlos Alberto de Souza Barros, que dirigiu “Osso, Amor e Papagaios” (1957) em parceria com César Memolo. Esse final de anos 50 do século passado em São Paulo foi fértil em carreiras interrompidas.

A Bahia, em contrapartida, viveu um ciclo extremamente rico e que, de certa forma, anunciava o cinema novo, isto é, a libertação do cinema brasileiro dos filmes feitos em estúdio. Desse momento é “Bahia de Todos os Santos” (1960), drama político de Trigueirinho Neto ambientado durante a ditadura do Estado Novo.

Dos filmes do “comunismo real” (aceitando que o Eisenstein de “Outubro” faz parte de um momento de sonho e irrealidade), Jiri Menzel se dedica a driblar em “Trens Estreitamente Vigiados” (1966) as determinações do governo tcheco e aproveita a Segunda Guerra (então tema quase obrigatório nos filmes daquele país) para falar de sexualidade. Quanto ao iugoslavo Dusan Makavejev, a sexualidade mistura-se com a política desde o projeto, já que “W.R., os Mistérios do Organismo” (1971) toma por base a obra do psicanalista dissidente Wilhelm Reich.

Mais conhecido, “Vento e Areia” (1928) foi exibido no tempo em que a Cinemateca promovia as Jornadas do Cinema Silencioso (que acabaram não se sabe bem por quê) é o mais célebre dos filmes feitos pelo sueco Victor Sjostrom nos EUA, e onde a natureza tem um destaque que só os nórdicos conseguem dar. Já Fellini vem com “Abismo de um Sonho” (1952), um dos seus primeiros filmes, onde já se desenham temas centrais de sua obra: o espetáculo e a fantasia.

Completam a série um filme que hoje pode ser visto como uma flor do conservadorismo, como “Sinhá Moça” (1953), abordagem arquitradicional do tema da Abolição, e no entanto um dos mais leves e antiacadêmicos trabalhos de direção da Vera Cruz, por conta de Tom Payne e Oswaldo Sampaio, e dois filmes do argentino Fernando Birri, um dos mais engajados cineastas latino-americanos: o média-metragem “Tire Dié” (1958) e o longa “Los Inundados” (1962), em programa único.

Mais do que um ciclo eis um manifesto da Sociedade Amigos da Cinemateca (SAC) sobre uma programação ideal da cinemateca: aberta a todos os gêneros e tendências, aberta sobretudo ao papel da instituição na formação de novos (ou nem tão novos) fãs de cinema. No mais, um programa muito convidativo e gratuito.