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Quero que os trabalhos que fiz fiquem comigo, afirma Joana Fomm sobre remakes

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Num apartamento no Alto Leblon, uma moradora que recém completou 85 anos e pouco sai de casa, obedece a uma rotina: ligar à televisão, todas as noites, no canal Viva para assistir à reprise da novela "Corpo a Corpo", de Gilberto Braga (1945-2021).

Seria

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Num apartamento no Alto Leblon, uma moradora que recém completou 85 anos e pouco sai de casa, obedece a uma rotina: ligar à televisão, todas as noites, no canal Viva para assistir à reprise da novela “Corpo a Corpo”, de Gilberto Braga (1945-2021).

Seria uma rotina comum a tantas mulheres no Brasil se a espectadora em questão não fosse intérprete de uma das protagonistas da trama. Trata-se da atriz Joana Fomm, que dá vida à Lúcia Gouveia, uma decadente socialite do Jet Set internacional, que tenta fazer a filha agarrar um milionário na novela “Corpo a Corpo” para garantir o seu futuro.

De volta à Globo nesta segunda (2), com a reprise de “Tieta” no Vale a Pena Ver de Novo, e afastada da TV após uma década de participações esparsas -seu último papel foi uma participação na série “Sob Pressão”, em 2019- Fomm não tem na vilã de “Corpo a Corpo” uma de suas personagens preferidas.

“A Lúcia Gouveia é meio boba. Ela faz umas maldades bobas, se comunica de uma forma boba, não se impõe”, diz a atriz de voz suave, vestida numa roupa branca que condiz com seus cabelos hoje e contradiz com os figurinos coloridos de suas adoráveis megeras. “A Yolanda era pior, mais má.”

“Yolanda”, para os noveleireiros menos avisados, é Yolanda Pratini, a vilã de “Dancin’ Days” (1978), primeira novela de Gilberto Braga no horário das 20h. Um papel que caiu nas mãos da atriz após um desentendimento entre o diretor da trama, Daniel Filho, e a atriz Norma Bengell (1935-2013), que viveria a megera.

O que seria apenas uma substituição deu início a uma tradição. Com sua altivez e olhar que dizia mais que as falas, talento só encontrado em Bette Davis (1908-1989), Fomm ajudou a criar uma escola de vilãs por meio de Yolanda. Um mundo de mulheres capazes das piores ações com as melhores intenções, da qual fazem parte personagens como Odete Roitman, vivida por Beatriz Segall (1926-2018), em “Vale Tudo”, também de Braga. “Ela [Yolanda] era muito má, seca, decidida. Adorava a personagem, estudei muito, me envolvi muito.”

Yolanda era a irmã mais velha de Júlia Mattos, a ex-presidiária em busca de redenção, interpretada por Sônia Braga. As duas irmãs disputavam os holofotes da sociedade carioca, dentro e fora das discotecas, e o amor de Mariza. Vivida por Glória Pires, a garota era filha biológica de Júlia e fora criada por Yolanda. Das ironias da vida: Fomm ela própria foi Mariza. Como relata em sua biografia, “Minha História É Viver” a atriz foi criada pela tia, Alice, e seu marido, Arthur Fomm, de quem adotou o sobrenome.

Fomm recorda de uma de suas primeiras gravações da novela. “Quando eu apareci em cena, inventei que ela queimava o cigarro na boca.” Concluída a gravação, o diretor pediu para que a cena fosse refeita, achando que o lábio queimado fosse um erro. Até se inteirar que Fomm “fez de propósito”. “Eu fazia uma personagem que estava muito nervosa.”

Um momento da novela que a atriz guarda com carinho -e que, aliás, é uma das cenas mais lembradas da teledramaturgia- é o confronto final entre Júlia e Yolanda, no último capítulo. As duas irmãs discutem por causa da educação de Mariza, trocam acusações e se agridem. Caídas no chão, ofegantes, se abraçam, choram e se reconciliam. “Eu acho lindo aquilo. Misturou tudo. Misturou o final da novela, a despedida minha, da Sônia, a despedida do público, da personagem. Foi muito emocionante.”

A Lúcia Gouveia de “Corpo a Corpo” nasceu do sucesso da personagem de “Dancin’ Days”. Reprisada pela primeira vez, a trama de 1984 tem sido uma oportunidade para a atriz se lembrar dos amigos. “Fiquei emocionada em ver aquela gente amiga. Ver Lauro Corona, o Caique Ferreira foi o que me emocionou mais.”

Os dois atores faleceram em decorrência da Aids. Ferreira morreu em 1994, e chegou a escrever um livro sobre o assunto. Corona, que havia sido genro de Yolanda em “Dancin’ Days”, faleceu em 20 de julho de 1989, aos 32 anos. “Acho uma maldade ele ter morrido. Foi uma morte injusta. Quem [o] acompanhou mais foi a Glória Pires”, conta. A atriz, que havia feito par romântico com o ator em “Dancin’ Days” e “Direito de Amar”, era muito amiga do galã. “Foi uma época muito triste.”

As dores não apagam as boas lembranças do período, que deixam saudade na atriz. Dez anos depois de Yolanda, interpretou a beata Perpétua, em “Tieta”, novela que acaba de voltar ao Globoplay, dentro do Projeto Originalidade. Icônica, a vilã deu início a outra tradição de antagonistas, desta vez marcadas pelo humor. “A minha preferida atualmente é Perpétua. Eu me diverti fazendo.”

Outra saudade da novela é o ator Armando Bógus, falecido em 1993, a quem Fomm cita mais de uma vez na entrevista. “Era um grande amigo”, diz. As saudades, porém, não se resumem a Bógus. “Sinto saudades de tudo. Os amigos que eu não tenho mais, alguns morreram, outros mudaram de profissão.”

Ainda assim, mantém contato com alguns colegas. Entre eles, Glória Pires, intérprete da Maria de Fátima, de “Vale Tudo”, uma espécie de jovem Yolanda Pratini. “A gente se fala muito. Sou muito próxima dela”, diz, com um sorriso que demonstra todo o carinho pela atriz que interpretou Mariza. Minha filha, né?”

Nos anos 1990, a atriz atuou em produções do SBT, que pretendia competir com a TV Globo na produção de novelas. Os papéis foram rareando a partir da década seguinte. Em 2007, estava tudo pronto para Fomm voltar a uma novela de Gilberto Braga, onde viveria a vilã Marion. Mas um câncer de mama impediu a retomada da parceria.

Curada da doença, que a obrigou a retirar os seios, foi diagnosticada com uma disautonomia, doença que afeta o sistema nervoso. “[A saúde] está bem, felizmente. Na medida do possível”, afirma a atriz. Na época da entrevista, ela se recuperava de uma gripe que deixou sua voz mais fraca, mas não a impediu de falar sem dificuldade por quase uma hora.

Em 2013, Fomm foi desligada da TV Globo pela segunda vez -a primeira havia sido em 1992. A segunda demissão a abalou. “Fiquei sim, magoada. Eu fiz sucesso, não sei o que o foi. Cada emissora tem seu jeito, não sei.”

Sua carreira, entretanto, não se resume à TV. Nos anos 1960, estreou no cinema. A personagem que lembra com mais carinho nessa arte é a cantora e compositora Dolores Duran, que interpretou em “A Noite do Meu Bem” (1968), escrito e dirigido por Jece Valadão. Atuou também, entre outros, em “Todas as Mulheres do Mundo” (1967), de Domingos Oliveira, e “Macunaíma” (1969), de Joaquim Pedro de Andrade.

Sua trajetória teatral reúne também momentos importantes. Formada pela escola Martins Pena, teve aulas com Jorge Kossovski, que foi aluno do russo Constantin Stanislavski, responsável por influentes teorizações da arte de atuar. Estreou, em 1958, numa montagem no Teatro Municipal do Rio que reunia amadores e profissionais, entre os quais Nicette Bruno e Paulo Goulart. Nos anos 1960, mudou-se para São Paulo e se juntou à trupe do Teatro de Arena. Embarcou na busca pelo modo brasileiro de representar e na missão de trazer as questões do país para o palco. Sua trajetória teatral foi marcada por autores como Woody Allen, Harold Pinter e Lilian Hellmann.

Quando a censura começou a recrudescer, afetando a qualidade da produção teatral e cinematográfica, foi trabalhar como jornalista no “Última Hora”, o revolucionário jornal de Samuel Wainer. Seu primeiro entrevistado foi o ator Grande Otelo, com quem atuou em “Macunaíma”.

No final de 1979, Fomm lançou um livro de contos, “À Hora do Café”, publicado pela Editora Cultura, da extinta livraria de mesmo nome. Fora de circulação, o livro é composto por contos breves, de estilo seco, que remetem ao teatro e ao jornalismo e guardam certa atmosfera rodriguiana. Um dos contos, “O Adultério”, foi adaptado para o cinema, com Otávio Augusto, Suzana Faini e Laura Cardoso.

Aos 85 anos, a intérprete de Yolanda não pretende viver de lembranças. “Sinto muita falta de trabalhar, muita, muita. Gosto muito de cinema, gostaria de fazer de novo”, diz Fomm, fã de Bette Davis, Joan Crawford e Ingrid Bergman.

A atriz tem apenas sua aposentadoria como fonte de renda e leva uma vida modesta. “Não consegui [formar um patrimônio]. Queria mais dinheiro e mais trabalho.” Quem cuida dela e de sua vida financeira é o filho, o ator Gabriel Fomm.

Fomm afirma já não ter disposição para o teatro, dado o esforço físico, mas gostaria de fazer uma vilã que a surpreendesse. Confessa ser pouco simpática aos remakes. “[Por] ciúme. Não quero que mexam nas minhas coisas, quero que as coisas que fiz fiquem comigo.”

TIETA

Quando Seg. (2), às 16h50

Classificação 12 anos

Elenco Betty Faria, Joana Fomm, José Mayer

Produção Brasil, 1989

Onde ver Globo

Criação Aguinaldo Silva, Ricardo Linhares e Ana Maria Moretzsohn