PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS) – A maioria dos taiwaneses não tem convicção a respeito de uma intervenção militar dos Estados Unidos, sob Donald Trump, em caso de conflito contra Pequim. Segundo pesquisa da Fundação de Opinião Pública de Taiwan, 57,2% dos entrevistados disseram não confiar que o presidente eleito defenderia a ilha -o republicano tomará posse em janeiro.
Outros 29,8% disseram confiar, e 12,9% não souberam responder. Em fevereiro, 46,5% diziam confiar, e 42,8%, não. Para Pequim, a China continental e Taiwan são duas partes de uma só China.
“Com a eleição de Trump, a confiança afundou”, diz Paul Huang, pesquisador da fundação. “Percebem Tump como um risco, não querendo sair em defesa de Taiwan.”
A queda anterior, logo após a invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022, teria acontecido porque “o público taiwanês viu que os EUA não intervieram militarmente”. A recuperação desde então veio com as seguidas declarações de Joe Biden de que faria, sim, a intervenção.
O declínio desta vez é maior, segundo Huang, porque o “choque Trump já está cortando a dependência psicológica dos EUA”. Entre outras declarações durante a campanha, o presidente eleito afirmou que Taiwan deveria pagar a Washington por defesa.
O governo taiwanês, após a eleição, teria oferecido à equipe de Trump comprar US$ 15 bilhões em armamentos americanos. Já a ex-presidente Tsai Ing-wen, do mesmo partido do atual, Lai Ching-te, disse que os EUA deveriam continuar priorizando armas para a Ucrânia. “Nós temos tempo”, afirmou.
Questionada sobre outra declaração de Trump, de que Taiwan deve aumentar seus gastos com defesa para 10% do PIB, Tsai respondeu: “Seria difícil aceitar um número arbitrário”.
As ameaças de Trump não se limitam aos armamentos. Ele afirmou pelo menos duas vezes durante a campanha que a ilha roubou o “negócio de chips” dos EUA, em referência à tecnologia para a produção de semicondutores.
O temor é que o republicano force a TSMC (Taiwan Semiconductor Manufacturing Company), a maior empresa taiwanesa, a produzir seus semicondutores mais avançados nos EUA, onde ela está construindo uma fábrica com incentivo do governo Biden. A sombra de Trump já levou dois ministros a declararem que a legislação taiwanesa proíbe a fabricação fora da ilha dos chips de ponta.
A menos de dois meses para o fim do mandato de Biden, o gabinete de Lai anunciou na quinta-feira (28) que o líder taiwanês visitaria Havaí e Guam, que concentram as principais bases militares americanas no Oceano Pacífico. O presidente teria viajado neste sábado (30).
A porta-voz do Ministério do Exterior chinês, Mao Ning, comentou nesta na que, “se os EUA querem paz no estreito de Taiwan, a chave é compreender claramente a natureza de Lai, opor-se à independência e apoiar a reunificação pacífica da China”.
O porta-voz do Ministério da Defesa, Wu Qian, também declarou “firme oposição à interação oficial, sob qualquer forma, com a região chinesa de Taiwan”. São esperados exercícios militares em torno da ilha nos próximos dias, em resposta.
Internamente, o líder taiwanês enfrenta queda de popularidade, de acordo com a pesquisa da Fundação de Opinião Pública de Taiwan, realizada no momento em que Lai completa seis meses no cargo.
Ele assumiu com 58% de aprovação e agora está com 42,8%, praticamente empatado com a desaprovação (43%). Segundo Paul Huang, as razões para a queda são mais ligadas à própria política taiwanesa.
Sem maioria no Legislativo, ele derrubou através da corte constitucional, controlada por indicados de seu partido, uma lei aprovada que estabelecia maiores poderes para os parlamentares fiscalizarem o Executivo. Na pesquisa, 43% disseram que a decisão era inaceitável, contra 31% que apoiaram.
O Judiciário já vinha de desgaste com a decisão de prender um dos líderes da oposição, adversário de Lai na eleição de janeiro último, Ko Wen-je. “Ele está preso há três meses sem acusação”, diz Huang.
Os seguidos confrontos no Legislativo em debates sobre temas como o orçamento anual, inclusive com agressões físicas entre situação e oposição, reforçam também a imagem de paralisia administrativa. “O declínio da aprovação de Lai é porque as pessoas não estão satisfeitas com a governança”, diz o pesquisador.
O quadro pode se agravar com um escândalo de mídia que ganhou proeminência após a pesquisa, em torno do suicídio de um funcionário do Ministério do Trabalho taiwanês, supostamente pressionado por um superior ligado ao partido governista.