BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou nesta quarta-feira (4) que a sociedade vive um ambiente de violência digital e que a legislação atual sobre responsabilização das plataformas lhes concede imunidade. Apesar de ainda não ter concluído seu voto, disse que a situação é inconstitucional.
Toffoli e o ministro Luiz Fux relatam os dois casos em análise na corte desde a última semana e que tratam de trechos do Marco Civil da Internet. Dentre eles, o artigo 19, que trata da responsabilização de plataformas de redes sociais por conteúdos de terceiros.
De acordo com Toffoli, o trecho não foi capaz, desde a sua edição, de proteger direitos fundamentais e resguardar princípios e valores constitucionais nos ambientes virtuais, além de não fazer frente aos riscos que surgiram a partir do desenvolvimento de novos modelos de negócios das big techs.
“Na atual conjuntura, é imprescindível que os direitos fundamentais e os princípios e valores constitucionais fundamentais sejam assegurados mediante atuação preventiva, mitigatória e reparatória pelos provedores de aplicação”, disse.
“Hoje nós vivemos um mundo de violência digital. E violência digital é essa que o artigo 19 acoberta, enquanto não houver descumprimento de decisão judicial. Me desculpem, mas eu vou reiterar isso a todo momento”, completou o ministro, que deu seguimento à leitura do voto iniciada na sessão da última quinta (28).
Aprovado em 2014, o Marco Civil da Internet estabelece que as redes só estão sujeitas a pagar indenização por um conteúdo postado por terceiro se, após uma decisão judicial ordenando a retirada, mantiverem o conteúdo no ar.
A análise da matéria teve início na sessão de quarta (27), quando ocorreram apenas as sustentações orais. No total, 22 advogados se inscreveram para falar.
Toffoli afirmou que nem toda a discussão é sobre produção de conteúdo de terceiros. De acordo com ele, o provedor de internet não pode ser responsabilizado, já que é apenas a infraestrutura. “A lei tratou da responsabilização em razão de conteúdo de terceiro. Mas o impulsionamento é um ato direto da plataforma. Não é um terceiro que o faz.”
No julgamento, o ministro Alexandre de Moraes também voltou a falar no tema, endossando críticas às big techs, e citou a escolha do termo “brain rot” (em tradução livre, “podridão cerebral”) especificamente, o tipo causado pela sobrecarga digital como a palavra do ano de 2024.
“Esse problema da baixa qualidade, do discurso de ódio, da violência, do bullying, não é só no Brasil, é no mundo todo. Eu repito aqui, insisto que, infelizmente, a autorregulação faliu. É necessário que se preserve a dignidade da pessoa humana, a honra das pessoas, e se preserve também, no caso de atentados contra a democracia, o Estado de Direito”, disse.
O ministro Flávio Dino acrescentou que as crianças e adolescentes estão hoje expostos ao maior número dessa violência digital. “Sobre essa comunicação intensa da violência virtual, que é real e vice-versa, vivi no mês de abril de 2023, um dos meses mais terríveis da minha vida, que foi o período em que houve aquele ataque na escola em Blumenau”, disse.
Naquele mês, um homem entrou na creche Cantinho Bom Pastor em Blumenau (SC) e matou quatro crianças. No período, houve milhares de ameaças publicadas em redes sociais.
Ao dar início à análise, o presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, afirmou que a corte julga trechos do Marco Civil da Internet após o Congresso não legislar sobre o assunto. “O tribunal aguardou por um período bastante razoável a sobrevinda de legislação por parte do Legislativo e, não ocorrendo, chegou a hora de decidirmos esta matéria”, disse.
O Marco Civil aguardava julgamento havia sete anos. Os processos entraram e saíram da pauta três vezes nos últimos anos. Na última, foram adiados depois de pedido da Câmara dos Deputados, pela previsão de votação do PL das Fake News, enterrado em abril.
A lei foi citada por Moraes, por exemplo, para respaldar a decisão que suspendeu o X (ex-Twitter) no Brasil.
Desde o avanço das investigações sobre a tentativa de golpe de Estado em 2022, a expectativa é a de que o Supremo promova mudanças no texto da lei semelhantes ao que vinha sendo discutido no Congresso Nacional no âmbito do PL das Fake News.
Na semana passada, Moraes disse que os ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023 demonstraram a falência do sistema de autorregulação das plataformas de redes sociais.